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Fala português o Nobel da Paz

Com a atribuição do Prémio Nobel da Paz de 1996 a D. Ximenes Belo e ao Dr. José Ramos Horta, veio para a língua portuguesa uma consideração internacional. É o Nobel de Timor, após 21 anos de luta, isolada mas persistente, tendo Portugal acordado para ela apenas há cerca de cinco anos, depois do massacre de Santa Cruz. Mais vale tarde que nunca.

No entanto, pequenos grupos de cristãos (católicos e de outras igrejas evangélicas), mantiveram a chama do apoio a Timor, com uma tenacidade e perseverança notáveis, contra a descrença de muitos, quase a totalidade. Souberam distinguir entre a luta política pelo poder, e a luta pelos direitos humanos. E, nesta última, continuam a dar a sua voz aos habitantes daquela terra, a quem os seus dirigentes não permitem ter voz.

A propósito, recordamos que João Paulo II, de uma forma muito própria, nem sempre compreendida e talvez nem sempre secundada, exerceu um papel importante quando, há sete anos, visitando a Indonésia, escolheu a parte leste da Ilha de Timor, para chamar ali a atenção do mundo e dos responsáveis mais directos, pedindo o respeito pelos direitos humanos, a reconciliação e o perdão recíproco.

A dramática situação da Ilha continuou a estar presente no coração do Papa. Nos encontros com o Corpo Diplomático ou com representantes da Indonésia ou de Portugal, nunca omitiu a questão de Timor, sublinhando que os habitantes de Timor continuam a aguardar «propostas capazes de permitir a realização de legítimas aspirações, visando ver reconhecida a sua especificidade cultural e religiosa». Em Fevereiro último, enviou a Timor um seu delegado particular, o Cardeal Roger Etchegaray, que agora, depois deste Prémio Nobel, define assim Mons. Carlos Belo: «Um jovem pastor que promove incansavelmente um diálogo aberto com todos os que se preocupam com o futuro do povo timorense».

Em Portugal, tanto a sociedade civil como a religiosa (de diversas igrejas), manifestam de forma clara o seu regozijo e entusiasmo com esta atribuição. Concretamente, fizeram declarações públicas em rádios e televisões de âmbito nacional, vários bispos, entre os quais D. João Alves e D. Januário Torgal ferreira, respectivamente presidente e secretário da Conferência Episcopal, e D. Manuel Martins, bispo de Setúbal.

Além da rádio e da televisão, também a imprensa se fez eco forte da notícia, que se manifestava como um «tremor de terra», na opinião pública, portuguesa e mundial. Ao fim de três dias, ainda a notícia continua a ser objecto de estudos e de comentários. É bom sinal. Que se aproveite este impulso, até ao respeito completo pelos direitos do povo timorense. Para já, o Prémio Nobel em 1996. E, para quando a Paz? Deus queira que para muito breve.
Ecclesia
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A vitória timorense

«Uma vitória moral para os timorenses» foi o comentário de D. Carlos Ximenes Belo, a propósito da atribuição do prémio Nobel da Paz de 1996 à sua esposa e ao Dr. José Ramos Horta. Dois lutadores pela Paz em Timor Leste: um, defensor dos direitos humanos, contra a injustiça e o abuso do poder policial e militar; e o outro, na luta política, contra o autoritarismo e a favor da democracia.

Não nos espanta que o Bispo de Díli tenha colocado este prémio em favor do povo mártir timorense, o rebanho de que é pastor. Assim, dará graças a Deus por este reconhecimento, provindo de tão prestigiada instituição.

Recordamos que, quando Mons. Carlos Belo foi nomeado para Díli, muitos o consideraram como pessoa tímida, submissa a quem manda, cedendo facilmente aos desejos quer da Nunciatura, quer do Governo de Jacarta. No entanto, o novo pastor cedo foi percebendo as urgentes necessidades do seu rebanho e a dimensão do seu sofrimento diário.

E assistimos a um D. Carlos Ximenes Belo, que, respeitando embora os prudentes conselhos de alguns bispos indonésios, assim como os diplomáticos apelos da Nunciatura para «dialogar mais» com a polícia política, prefere falar na hora exacta, corajoso e destemido, defendendo os direitos humanos, sem se meter na política.

O corajoso risco de vida, com sacrifício e heroicidade, é enaltecido neste Nobel da Paz. Têm nele a classe política Indonésia e a norte-americana (e não só), uma ocasião preciosa para um discernimento mais profundo e solidário. Mas também podem eventualmente aproveitar este novo dado: uma boa parte da hierarquia católica da Indonésia, não excluindo a Nunciatura em Jacarta, alguns «corredores» da diplomacia vaticana e, talvez, alguém possa aproveitar também por cá...

felizes os que perseveram na luta pela Paz! Benvindo o Prémio Nobel de 1996!
João Caniço
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DA PRAÇA DE SÃO PEDRO

Uma santidade nova, a inventar

Numa clara alusão a personalidades como as que foram recentemente distinguidas com o Prémio Nobel da Paz, João Paulo II afirmava, em Janeiro passado, no discurso ao Corpo Diplomático sobre o estado do mundo: "Há que admirar e sustentar a coragem de tantos homens e mulheres que conseguem salvar a identidade dos seus povos e transmitem às jovens gerações a chama da memória e da esperança". O Papa acabara de se referir precisamente ao povo timorense: "Os habitantes de Timor Oriental continuam a aguardar propostas concretas que permitam a realização das suas legítimas aspirações a verem reconhecida a sua especificidade cultural e religiosa".

Gostaríamos de ver sempre a Igreja e os seus máximos representantes tomar posições proféticas, claras e corajosas. E contudo tal não acontece tantas vezes, por muitas e variadas razões. É quase regra geral edificar só postumamente belos mausoléus aos profetas recusados ou mesmo assassinados. Há menos de quarenta anos, D. António Ferreira Gomes era confinado ao exílio acusado de se "meter na política". Rejeitado muito naturalmente pelo ditador do tempo, ter-lhe-á sido bem mais penoso o ostracismo a que o votaram, unanimemente, os outros bispos do país, bem secundados (se não liderados) pelo núncio apostólico. Quase paradoxalmente (mas não tanto, afinal), quem salvou a honra da Igreja foi o Vaticano, recusando-se a nomear um outro bispo titular para o Porto.

Tensões e conflitos do género acontecem regularmente pelo mundo. Poderíamos recordar, em Moçambique, D. Sebastião Soares de Resende e D. Manuel Vieira Pinto. Hoje poder-se-ia alargar a lista, por exemplo, a Oscar Romero, Helder da Camara, Samuel Ruiz... E seria um nunca mais acabar.

Santos com génio: precisam-se

Nos catastróficos tempos da II Guerra Mundial, Simone Weil, já tocada por Cristo, advertia que nós vivemos numa época sem precedentes: doravante... "a universalidade tem que estar explicitamente presente, na linguagem e em todo o modo de ser". "Hoje em dia não basta ser santo. A santidade que o momento presente exige é uma santidade nova... de uma novidade miraculosa". "Um tipo novo de santidade...uma invenção".

Para tal, será preciso ainda mais génio do que o que foi necessário a Arquimedes para inventar a mecânica e a física, observa ainda S.Weil. "Só uma espécie de perversidade pode obrigar os amigos de Deus a privar-se do génio, pois que para o receber em superabundância lhes basta pedi-lo ao Pai em nome de Cristo". E conclui: "O mundo precisa de santos com génio, como uma cidade empestada tem necessidade de médicos".

Estas reflexões não provinham de um monge contemplativo no silêncio de um claustro recolhido. Eram de uma professora liceal que experimentara já a vida operária e campesina, entrara na luta sindical, estivera na guerra civil espanhola ao lado dos republicanos, passava horas e horas debatendo questões de economia e política, fazia noitadas a reflectir e escrever sobre os problemas de fundo que afligem a humanidade: o trabalho, a organização da sociedade, as radicais necessidades das pessoas e dos povos, as condições para a vida de oração, uma correcta relação entre o divino e o humano...

Nascida há 20 anos, a Comunidade de Santo Egídio é um caso original que talvez se entenda melhor à luz desta santidade nova que reclamava Simone Weil. Os seus membros não são, nem querem ser, religiosos ou "consagrados". São leigos, cristãos, católicos, homens e mulheres, geralmente com estudos superiores, presentes no mundo da universidade, da política, da economia, da administração estatal. Tem um profundo sentido espiritual e comunitário, que os leva a congregar-se quase todos os dias, em prolongado tempo de oração, alimentada pela Palavra e pelo canto mas predominantemente silenciosa. Não se ficam pelos grandes projectos sociais ou apostólicos, mas todos têm uma actividade concreta de voluntariado junto dos desfavorecidos: acompanhamento pessoal e cordial de pessoas detidas em hospitais, na cadeia, em casas da Terceira Idade; escolas para ciganos ou para emigrantes "extra-comunitários"; distribuição de refeições quentes, à noite, aos milhares de vagabundos de Roma... Esta multiplicidade de actividades não corresponde (ainda) a uma estrutura pesada, burocrática. As coisas funcionam apoiadas em pequenas células de pessoas que coordenam entre si as tarefas que assumiram, desenvolvendo-as conforme se impõe e na medida em que é possível.

Esta atenção às necessidades imediatas do próximo mais próximo, não impede a comunidade de Santo Egídio de ter o sentido de amplidão das questões do mundo político nacional e internacional, das relações ecuménicas e inter-religiosas, e consegue actuar a diversos níveis, de modo que desafia a imaginação e desconcerta (positivamente). A bem sucedida mediação nas negociações de paz para Moçambique, ou até mesmo a menos feliz tentativa de encontrar uma saída para o vértice de violência na Argélia, aí estão como exemplos de uma criatividade de quem tenta manter sempre presentes e unidos o material e o espiritual, o concreto-imediato e o global...

Há na linha de fundo do pontificado de João Paulo II esta mesma tentativa de superar o fosso criado na era moderna entre as componentes individual e colectiva, laica e religiosa, cristã e não-cristã. As maiores resistências a este Papa têm provindo de quem - mesmo no interior da Igreja - ainda não descobriu esta dinâmica.
Pacheco Gonçalves
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