Quando nasceu a Voz Portucalense?
A Voz Portucalense nasceu em
3 de Janeiro de 1970, no Porto (Rua de Santa Catarina, 521) para
dar continuidade ao semanário A Voz do Pastor que
vinha já desde Fevereiro de 1921.
Por quê a mudança de
nome?
A mudança do nome vem da necessidade de adaptá-lo à eclesiologia do Vaticano II. Dantes havia a tendência de tudo atribuir ao Bispo e por isso o que era necessário era que todos soubessem o que o Bispo dizia para seguirem depois essa directriz. O Concílio do Vaticano II, anunciado pelo Papa João XXIII em Janeiro de 1959 e reunido desde Outubro de 1962 a Dezembro de 1965, «mudou» a Igreja. E não apenas na linguagem. De instituição piramidal, com o Papa no topo (e nas dioceses o bispo), passou a apresentar-se como um círculo, um povo igual pelo Baptismo e diverso nos tipos de serviço que presta à comunidade. A autoridade passou a apresentar-se como serviço. E, mais do que o pensamento do «chefe» (bispo), passou a ser importante saber a opinião do povo de Deus. E este, na sua diversidade (bispos, presbíteros e diáconos; religiosos e leigos), tem o direito de se exprimir e deve esforçar-se por discernir, no meio das vozes do mundo, a voz de Deus.
Como dizia D. António Ferreira Gomes no primeiro número, «do Pastor, será cada vez mais, assim o esperamos, a sua própria e pessoal voz, quando a dever e puder fazer ouvir. O resto, as muitas e legítimas vozes, serão, na sua plural tensão versus a harmonia e consonância diocesana, serão... aquilo que queremos ser e chamar-nos».
Voz Portucalense
aparece, assim, assumindo a tradição de A Voz
do Pastor mas, como não podia deixar de ser, com o
desejo de ser voz autêntica da Igreja pós-conciliar,
uma Igreja do diálogo, da fidelidade à verdade e
do respeito pela caminhada de cada comunidade ou até mesmo
de cada pessoa.
E os colaboradores continuaram os
mesmos?
Para que a mudança não
fosse só de título foi escolhida uma nova equipa:
M. Álvaro V. de Madureira, Rui Osório, J. S. Martins.
Alguns colaboradores, no entanto, continuaram como o P. Domingos
de Oliveira Costa Maia, que era o director desde 1954.
E o jornal mudou mesmo?
Sem dúvida. Os problemas da sociedade,
desde a emigração, à guerra colonial, e também
as áreas culturais como cinema, televisão e literatura,
e ainda o próprio desporto, passam a ter lugar nas páginas
do jornal. E, no que diz respeito à Igreja, aparecem também
algumas questões que eram muito debatidas como o celibato
e pobreza dos padres, e sobretudo dá-se bastante relevo
a encontros que o Bispo passa a ter não só com padres
e religiosos, mas ainda com representantes dos leigos. Pode dizer-se
que se tornou um jornal mais aberto. E uma prova disso foi o interesse
com que era procurado em todo o País. De algum modo a censura
aqui era menos forte e, particularmente a palavra do bispo D.
António (que Marcelo Caetano deixara entrar no País
em 1969, depois de dez anos de exílio), era lida com todo
o interesse.
O semanário da Igreja era
lido sobretudo por católicos. Eram esses que sentiam a
necessidade da mudança?
Os leitores dos jornais normalmente
são muito passivos e, se não gostam do jornal, deixam
de comprá-lo. Mas quando apareceu a Voz Portucalense
foi acolhida com grande entusiasmo particularmente por quantos
estavam empenhados numa actualização da Igreja.
E qual o eco que se fez sentir?
Certamente pela qualidade dos colaboradores e pelo facto de tocar nas feridas do tempo as de uma Igreja retrógrada que tardava a aplicar o Concílio e as de um regime autoritário que fechava os olhos às mudanças que se verificavam em outros países (democracia e direito à autodeterminação) a «VP» viveu até ao 25 de Abril um tempo áureo de audiência.
Depois disso, todos os jornais passaram
a poder «dizer tudo» e caíu o interesse geral
pelo jornal da Igreja que passou a ser lido quase só por
gente ligada à Igreja.
Qual a faixa etária que mais
lê o jornal?
Não tenho estudos sérios
sobre o assunto. No entanto, pelas assinaturas novas que aparecem
verifica-se que são os adultos de meia idade que se interessam
por este jornal. Há uma gente já muito estabilizada,
os mais velhos, que, normalmente, não muda de hábitos.
E, se não assinava, também não é agora
que se resolve a assinar este jornal. Os casais jovens e a gente
que foi crismada e assumiu alguma responsabilidade na paróquia,
esses «não dispensam» o jornal que lhe diz o
que a Igreja diz e faz.
E foi sempre assim?
Tenho uma certa ideia de que noutros
tempos era a gente mais velha que assinava A Voz do Pastor
e muitos para ajudar a boa imprensa. Hoje não pedimos que
assinem, mas que leiam, formem opinião e depois, se assim
o entenderem, que optem por assinar «o seu» jornal.
Esta ideia de que o jornal é da Igreja diocesana e não
de meia dúzia de pessoas está sempre presente na
actual forma de actuar.
E qual a tiragem?
Quando foi lançada a «VP»
foi-lhe dada a tiragem de 12 mil, ainda que os assinantes fossem
pouco mais de quatro mil. Era preciso levar o jornal a toda a
parte. Em 1978 os assinantes eram 2700 e em 1982 dois mil e duzentos.
A partir de 1980 a tiragem baixou para baixo dos cinco mil. Em
finais de 1983 a tiragem voltou aos cinco mil, em Maio de 1985
sete mil, em 1987 oito mil, em 1989 nove mil, em Janeiro de 1992
dez mil e, desde Outubro de 1994 onze mil. Estes jornais em grande
parte vão para assinantes. Não há por isso
sobras.
A que se devem essas oscilações?
Os tempos mudam e os interesses também. O jornal de hoje está mais adaptado aos interesses do cidadão comum, do cristão comum. Mais do que jornal de opinião pretendemos apresentar um jornal que fale do que acontece, isto é, que mostre a Igreja real. É assim um jornal prevalentemente de informação e depois de opinião.
Para além disso foi feita uma
campanha de apresentação do jornal em toda a diocese.
E os resultados estão à vista.
Quais os directores que passaram
pelo jornal?
De 3 de Janeiro de 1970 até 4
de Janeiro de 1975 M. Álvaro V. de Madureira; de 11 de
Janeiro de 1975 até 17 de Maio de 1979 S. S. Ferreira
e Silva; de 24 de Maio de 1979 a 29 de Setembro de 1983 R. A.
de Castro Meireles Machado; de 3 de Novembro de 1983 a 23 de Setembro
de 1993 Eloy Almeida de Pinho; e desde essa data Fernando de Lima
Milheiro Leite, que era Chefe de Redacção desde
Outubro de 1983.
Como é que a «VP»
viu a descolonização, tendo em conta a Declaração
dos Direitos do Homem e a encíclica Pacem in Terris
?
Basta folhear os jornais para perceber «a opção» da «VP», que é, afinal, a da Igreja. A Declaração Universal dos Direitos do Homem assinada em Dezembro de 1948 (publicada no Diário da República Portuguesa apenas em Março de 1978) aparece «traduzida» e mesmo «ultrapassada» na Pacem in Terris (Abril de 1963) que é considerado o testamento pastoral do Papa João XXIII. O tema é o da paz para todos os povos, fundada na verdade, na justiça, no amor e na liberdade. Os documentos do Vaticano II, particularmente a Gaudium et Spes, haveriam de tornar «obrigatório» o empenhamento em favor da paz ao recomendar que para além de dar a conhecer a mensagem de Cristo, a Igreja deve contribuir para que a luz do Evangelho penetre e actue sobre as realidades temporais. No que diz respeito a África a mensagem do Papa Paulo VI Africae Terrarum (sobre a promoção religiosa, civil e social da África), que é de Outubro de 1967, haveria de reconhecer a cultura africana colocando-a ao lado das outras culturas universalmente reconhecidas, e de apontar os valores das culturas africanas como base a ter em conta na evangelização.
Estava marcada a directriz da Igreja. A «VP», ainda antes do 25 de Abril, procurou apontá-la persistentemente, o que «destoava» do que era permitido pelo velho regime. Veja-se, por exemplo, o relevo dado às mensagens para o Dia Mundial da Paz, criado por Paulo VI em 1968, no 1º dia do ano. E os temas eram escaldantes para quem estava antes do 25 de Abril e com problemas de uma guerra que era contestada em muitas frentes: «A promoção dos direitos do homem, caminho para a paz», «Educação para a paz mediante a reconciliação», «Todos os homens são meus irmãos», «Se queres a paz, trabalha pela justiça», «A paz é possível», «A paz também depende de ti»
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