[ Liturgia ]



    COMEMORAÇÃO DE TODOS OS FIÉIS DEFUNTOS

    Eu sei que o meu Redentor vive!


    Observação: O Leccionário português apresenta três esquemas completos de Liturgia da Palavra, um para cada uma das três missas previstas. Entretanto, pode organizar-se um esquema diverso, escolhendo de entre a rica antologia de textos bíblicos do Leccionário das Missas de Defuntos. Não podendo aqui comentar as nove leituras sugeridas pelo nosso Leccionário, optamos por «ler» com os leitores de VP uma de cada uma das Missas: a 1ª leitura da 1ª Missa; a 2ª leitura da 2ª Missa; o evangelho da 3ª Missa.
    1. «Eu sei que o meu Redentor está vivo» (Job 19)
    Em diálogo com os amigos que o vieram consolar mas que, ao contrário, o fazem sofrer (julgando erradamente estar a defender Deus e a sua justiça...), Job pede tréguas. Deseja, porém, que ao menos o seu lamento não se extinga nem seja esquecido. Apesar de submerso pela dor, continua a proclamar a sua indefectível esperança em Deus. Ele «sabe» que Deus está por ele e, por isso, confia que, mais cedo ou mais tarde, antes de morrer ou depois, o Eterno se levantará em juízo e colocar-se-á a seu lado como seu defensor e vingador (em hebr. «goel», traduzido aqui por «Redentor»), proclamando perante todos a sua inocência.
    O texto hebraico dos vv. 25-27 é de interpretação difícil. A Vulgata interpreta-os como um acto de fé de Job na ressurreição.
    2. «Recebemos nos Céus uma habitação eterna» (2 Cor 5)
    Importa ter presente o contexto próximo desta passagem em que Paulo fala da condição paradoxal do ministério apostólico que só à luz da fé se pode aceitar: até no plano existencial, o evangelizador é assimilado a Cristo que salva mediante a morte. E, assim, à dinâmica do pecado, contrapõe-se a força actuante da ressurreição de Cristo nas nossas vidas.
    No cumprimento da sua missão, o evangelizador experimenta uma tensão entre a realidade plena do que anuncia e procura viver e a realidade histórica, limitada e ambígua.
    A imagem antitética do v. 1 (tenda terrestre/morada celeste) explicita esta tensão que as antíteses dos versículos 6-10 aprofundam e desenvolvem (exílio/pátria, fé/visão). A existência actual é comparada a uma precária tenda de campanha, a uma vida no exílio. Em confronto com esta situação, a viver na fé, a situação escatológica (a que cor-res-ponderá a visão), é um viver em casa, residir na pátria.
    Mas a atitude básica do cristão e do apóstolo permanece inalterada, sejam quais forem as circunstâncias: «empenhamo-nos em agradar a Deus».
    3. «Quem comer deste pão viverá eternamente» (Jo 6, 51-58)
    Esta perícope é tirada da conclusão do «debate» de Jesus com os judeus na sinagoga de Cafarnaúm, após a multiplicação dos pães. Nesta parte, o discurso de Jesus assume inequívocas conotações sacramentais.
    Uma vez aceite, na fé, todo o realismo da incarnação (v. 58: descido) até à morte de cruz, isto é, uma vez aceite que Jesus é uma pessoa (carne) que se dá pela vida do mundo (v. 51), então pode estar-se disposto a entender aquela linguagem «dura» que os judeus e muitos discípulos foram incapazes de suportar.
    Agora Jesus fala na necessidade incontornável de comer (= «mastigar»!) a carne e beber o sangue do Filho do homem para ter a vida. Os termos «carne» e «sangue» indicam a pessoa toda, na sua debilidade e passibilidade. Têm também uma conotação sacrificial. Este comer e beber significa unir-se, por meio do sinal sacramental, à paixão e à morte de Jesus; significa entrar no seu mistério para receber e dar a vida.
    No contexto deste dia salientam-se as expressões que fazem da Eucaristia um «remédio de imortalidade», segundo a expressão de S.to Inácio de Antioquia (Ef 20, 2): «Nós partimos o mesmo pão, que é remédio de imortali-da-de, antí-doto para não morrer, mas viver eternamente em Jesus Cristo».
    Como recorda o Catecismo da Igreja Católica, «Àqueles que vão deixar esta vida, a Igreja oferece ... a Euca-ris-tia como viático. Recebida neste momento de passagem para o Pai, a comunhão do Corpo e Sangue de Cristo tem um signifi-cado e uma importância particulares. É semente de vida eterna e for-ça de ressur-reição ... Sacramento de Cristo morto e res-sus-ci-ta-do, a Eucaristia é, nes-ta hora, sacramento de passagem da mor-te para a vida, deste mundo para o Pai» (1524).