[ Especial ]



    O cristianismo e as grandes religiões

    IV - O Budismo


    1 - Falar do Budismo é algo vago, dado que, hoje, há umas 250 ramificações, embora com muito de comum entre elas. Como a maçonaria, a teosofia, o rosacrucismo, a nova era, etc., a sua base é gnóstica, sem transcendência; este conhecimento peculiar, distinto e superior ao dos sentidos, da razão e da fé, torna-se capaz de salvar o indivíduo pelas próprias forças, prescindindo de um salvador e Redentor, distinto do homem.
    2 - Siddharta Gautama - Buda - nasceu, por volta de 560 a.C., em Lumbini, perto da actual fronteira entre a Índia e o Nepal; seu pai era um rajá - Shuddodanna - rico e o filho foi preparado para ser um governante e um guerreiro - 2.ª casta hindu - ou um Sadhu e foi educado no hinduísmo. Aos 28-29 anos, porém, em passeio num carro de cavalos, viu num ancião, curvado pelos anos, num doente e num cadáver, a caducidade da vida humana e ouviu da boca de um sadhu indiano uma forte voz: "O único género de vida a que o sábio deve aspirar é a fuga do mundo". Deixa tudo: riqueza, esposa e filhos e começa a viver um celibato e pobreza absoluta, como o dito monge hindu; esteve mesmo perto da morte, por excesso de jejum. Por isso, concluiu que não devia viver os dois caminhos extremos: o do prazer e o da renúncia. Após sete semanas, em funda meditação, junto de uma figueira, em posição especial, atingiu a iluminação - BODHI, sânscrito. Buda quer, pois, dizer "iluminado".
    3 - A "primeira nobre verdade", no célebre "Sermão de Benarés" - actual Varanasi - que Buda pregou aos seus seguidores - 5 ascetas - é que "tudo é fugaz, efémero, transitório, insatisfatório e impessoal". É colocar em marcha a "roda da lei" - a roda é o símbolo do budismo, como a cruz o é dos cristãos, a meia lua do islamismo, a estrela de David do hebraísmo, etc. -, é o dar-se conta da contingência de todo o ser existente. Tudo é efémero e não existe a matéria, nem a susbtância: tudo é acidental, eterno e sempre submetido a um processo de degradação, até à degeneração de todos os povos, após o que se inicia novo ciclo cósmico igual aos outros.
    No budismo, não tem lugar o progresso; tudo é fenomenal; não existe a alma humana; há apenas pensamentos e não o pensamento, actos e não actor, apenas o"Karma" positivo ou negativo, determinante do renascimento num ser de categoria superior ou inferior. Contudo ou por isso mesmo, não se fala de reincarnação, dado que o budismo não admite a existência de um princípio vital distinto do físico humano - alma ou espírito.
    Fala-se de "renascimento", sem se precisar o que de facto é, até chegar ao "nirvana" ou "aniquilamento", não do ser ou da pessoa humana, mas do desejo, do apego sensorial. Há seres nirvanados, já nesta vida, mas só uma série de renascimentos conduz ao aniquilamento definitivo, ao NIRVANA - com letras maiúsculas - , espécie de céu, sem Deus, sem anjos, sem almas individuais. Não há ressurreição dos mortos, imortalidade da alma individual, inferno, céu, purgatório; daí a sua incompatibilidade com a fé cristã.
    A "iluminação" a que se refere o budismo não é de natureza sobrenatural, nem efeito da acção divina, nem cooperação do homem e da sua liberdade com Deus; é um fenómeno extraordinário, mas natural, parapsicológico, apenas obra do homem e do seu esforço; adquire-se e desaparece de modo súbito e inesperado. Os budistas falam nuiro do "eu", mas num sentido bem diverso do seu uso por Unamuno, com o seu gritro: "Que me tirem o meu eu"! e pela filosofia ocidental. O "eu" do budismo dilui-se num caudal de actos, sensações, mudanças bioquímicas; é uma catadupa de água que cai sem cessar, sem nada consistente - a alma - e sem nada valer - mérito, demérito, etc.
    DOGEN - século XIII d.C. - mestre do zen, no capítulo "Genjokoan" - a realização da iluminação - A ARTE DE OLHAR, resume tudo isso deste modo: "O lucro de iluminação é como o reflexo da lua na água. A lua não se molha, nem se quebra a superfície da água. É grande a lua e amplo o alcance de seus raios de luz, porém, cabe todo numa gota de água. Toda a lua e todo o céu se contêm em cada gota de orvalho".
    Pela dessacralização do hinduísmo, pela marginalização do divino e pela sua gnose, o budismo desagua numa espécie de autismo religioso, dado que cada um se concentra em si mesmo, para conseguir o vazio mental, o desapego do sensorial, o pleno desligar de tudo o que é terreno, temporal, para se conseguir a iluminação nirvânica. (continua no próximo número)

    José Costa Saraiva