Poucos saberão: destas coisas fala-se poucos nos jornais e menos nos outros media. A Igreja Nova de Cedofeita, na cidade do Porto (ali mesmo ao lado da velha Igreja Românica, belo exemplar da nobre e sólida arquitectura de séculos idos), encontra-se em fase de arranjo interior, embelezando as suas modernas linhas austeras, onde sobressaem trabalhos em pintura e os novos vitrais, uns e outros da autoria de uma equipa liderada por Júlio Resende. O seu arranjo interior será completado com a instalação de um Órgão de Tubos. Este novo e notável órgão de tubos será o quarto construído e instalado nos últimos quinze anos em Igrejas do Porto, depois dos da Sé Catedral (inaugurado em 1985, então declarado ano europeu da música) e da Senhora da Lapa, inaugurado dez anos depois em 1995 (ambos da autoria do organeiro alemão - entretanto radicado no Porto - G. Jann, que recentemente recuperou o órgão setecentista da Igreja de Moreira da Maia, da autoria de Arp Schnitger, datado de 1701) e do da Senhora da Conceição (da autoria de G. Heintz, também alemão, inaugurado em 1998). Este novo órgão está a ser construído pelo organeiro suíço Th. Kuhn, de Zurique, que foi aquele que apresentou a proposta mais interessante para uma importante novidade que terá este órgão: será incorporado nele o antigo órgão, proveniente do convento da Ave Maria (quando foi construída a actual Estação de S. Bento), depois de recuperado, e que funcionará com teclado independente, mas em ligação com o instrumento global, do qual constituirá parte integrante. Manterá os seus tubos primitivos, quer os de madeira quer os de metal, mantendo também estes a sua pintura original. O órgão terá três teclados manuais e um de pedaleira. Dos três teclados manuais, o superior accionará apenas o órgão antigo.
O órgão encontra-se já em fase adiantada de montagem, operação delicada e que exige larga paciência. Virão depois as afinações, os embelezamentos e todas as tarefas de valorização da visibilidade exterior. A inauguração do órgão está prevista para o dia 11 de Novembro, festa litúrgica de São Martinho, Padroeiro da Paróquia de Cedofeita.
Verifica-se assim que, em poucos anos, a cidade do Porto, que possuía no passado numerosos órgãos de tubos, e durante este século estavam destruídos, imobilizados ou simplesmente abandonados, e que entretanto, como em toda a parte, foi inundada por órgãos electrónicos, geralmente de duvidosa aptidão para a música sacra e para a liturgia, se vê dotada de um conjunto notável de instrumentos musicais que têm raiz nas mais fundas tradições culturais e musicais ao menos dos quatro ou cinco últimos séculos. Esta reviravolta no gosto musical e nos estilos de actuação tem a sua origem no trabalho persistente realizado pelo Secretariado Diocesano de Liturgia, na valorização dos Coros Litúrgicos e da música para a liturgia, na formação e aperfeiçoamento do gosto, tudo associado à consciência entretanto instalada, se bem que de forma tímida, de que o órgão de tubos é não apenas um auxiliar da acção litúrgica, mas um instrumento orquestral de grande valor, o "Rei dos Instrumentos", para o qual escreveram abundante literatura musical os maiores compositores da história. Nos países musicalmente evoluídos, todas as grandes salas de concerto possuem um órgão de tubos, como se pode verificar nas transmissões de concertos por essa Europa fora, embora as transmissões de concertos sejam cada vez mais raras na televisão...
A quem se deve a realização deste surto? A pessoas que compreenderam que vale a pena investir em infra-estruturas culturais, e que foram capazes de mobilizar esforços e vontades para a construção de obras que permaneçam, superando a via imediatista da mera funcionalidade. O que aconteceu tanto na recupração do antigo como na construção do novo. Acresce que os novos projectos não foram financiados por entidades oficiais, que o ministério da Cultura apenas colabora na recuperação de instrumentos antigos e nunca na construção de novos (estranha forma de entender a valorização cultural do país!), mas tiveram que recorrer ao mecenato cultural, a entidades privadas voltadas para esses domínios e sobretudo à mais benéfica e inesgotável das entidades, que financia todas as outras: o povo e a sua generosidade.
A verdade é que a cidade do Porto, com seus arredores, possui actualmente um acervo notável de órgãos, não apenas estes novos, mas também os recuperados (recordo de memória o de Moreira da Maia, o mais recentemente funcionalizado, o da Igreja de S. Lourenço, os da Sé, o dos Congregados, o da Trindade, o de Mafamude, o de Paranhos, o do Senhor de Matosinhos... Mas há ainda muito trabalho a fazer. Nas Igrejas setecentistas e oitocentistas encontram-se órgãos que podem e devem ser restaurados. E a na construção de novas Igrejas deve desde o princípio pensar-se também na inclusão no projecto de espaço e enquadramento adequado para o órgão de tubos. Fica o apelo e o exemplo.
Este dado foi motivo oportuno para uma troca de impressões com o Pároco de Cedofeita, o Cónego Orlando Mota e Costa, que lidera este projecto.
(Ver texto na pág. 6)
Padre Orlando: Queremos associar a beleza, a cultura e a acção sócio-caritativa da Paróquia.
V.P. - A Paróquia de Cedofeita vai inaugurar, em 11 de Novembro próximo, um Grande Órgão de Tubos. Será o quarto, nesta Cidade do Porto. Mas este parece trazer alguma originalidade, com uma solução pioneira e que lhe acrescenta especial qualidade e uma característica diferente.
P.O. - Trata-se de um GRANDE ORGÃO de Tubos, que terá 36 registos, três teclados e uma pedaleira e cujo desenho e estética exterior se inscrevem harmoniosamente no conjunto do templo. A principal originalidade consiste em integrar um Órgão Antigo (de fabrico inglês, igual aos existentes nas Igrejas do Carmo e de Nª. Senhora da Esperança) que ficará incluído plenamente no novo órgão. A escolha do dia 11 de Novembro, que é um sábado, como data da inauguração foi feita por ser o dia da Festa litúrgica de S. Martinho, Padroeiro da Paróquia. O programa que está em estudo, será anunciado oportunamente.
V.P. - Trata-se, portanto, de uma associação entre a organaria do passado e a do presente. Pode explicar melhor esta originalidade?
P.O. Sim, pode considerar-se uma solução pioneira e exemplar. Dos quatro organeiros concorrentes, apenas um aceitou a proposta e lhe deu plena realização. O Orgão completo terá 3 teclados (além da pedaleira). Num teclado, o superior) acciona-se o Orgão Antigo, que se poderá ouvir na sua originalidade. Os outros dois teclados servem os registos do Novo Orgão, podendo ainda sempre dispor-se do pleno dos registos que estão perfeitamente harmonizados.
V.P. - Foi abandonada a caixa original do antigo órgão. Qual foi a solução encontrada?
P.O. - Optou-se pela criação de um novo design sem compromissos, que se integras-
se na arquitectura geral da Igreja e na sua decoração. A caixa do antigo órgão era lisa, sem qualquer decoração nem especial valor. A decoração aparece apenas nos tubos de fachada que são policromados e que foram recuperados. Aparecem agora integrados com a sua policromia original, numa das fachadas do novo órgão, aquela que está voltada lateralmente para o coro alto, onde se integra o órgão.
V.P. - Por que só agora se decidiram a adquirir um grande orgão e definiram esta solução?
P.O. - Por necessidade de ocupação do espaço para a Construção da Nova Igreja, o Antigo Orgão foi desmontado e estava em arrecadação. Era um problema que se arrastava há anos, pelas graves dificuldades em recuperar o orgão no seu todo, acrescendo ainda a difícil integração no novo espaço da Igreja. Os sucessivas estudos e tentativas e aproximações acabaram, finalmente, por provocar o que pensamos ser uma feliz e adequada solução.
V.P. - Mas há mais obras, e de vulto, muito recentes, na Igreja, que valorizam e dignificam o seu espaço interior. Porquê agora?
P.O. - Sim, o projecto do Grande Orgão insere-se num conjunto de obras realizadas nestes últimos 3 anos, que se impunham como remate artístico da construção da Igreja. Destaco os duzentos metros quadrados de vitrais, o arranjo da Capela-Mor, da Capela do Santíssimo Sacramento, e da Capela Baptismal, obras orientadas e realizadas por um grupo de artistas, pintores e escultores, com a presidência e principal intervenção do Mestre Júlio Resende.
Há de facto, uma nova atmosfera na Igreja, e uma presença destacada e digna, com a definição artística e adequada funcionalidade das peças principais para a celebração: Altar, Cadeira, Ambão.
V.P. - São sinais de uma boa celebração Jubilar do Ano 2000 que ficam a marcar. Houve essa intenção?
P.O. - Certamente, e foi intencional marcarmos assim a Celebração do Jubileu do Ano 2000. Mas, como sempre temos feito, a par, decorreram iniciativas de promoção da Caridade fraterna que envolvem iguais despesas materiais. Se neste conjunto de obras na Igreja, gastamos umas dezenas de milhares de contos, recordo que o orçamento das Obras Sociais, só para este ano 2000, é de 100 mil contos, e, no conjunto das Obras Sócio-Caritativas, esse quantitativo vai ser ultrapassado.
V.P. - Todas estas obras não correm o risco de dispersar as energias pastorais?
P.O. - Muito ao contrário. As obras têm sido um impulsionador pastoral. Por isso foram realizadas espaçadamente, acompanhadas sempre de projectos pastorais simultâneos. As estruturas materiais foram aparecendo, sem se falar delas e sem peditórios, mas pagas pelo povo, sem subsídios. Os olhos viam, a generosidade concretizava-se muito espontaneamente, sem ritmos de pressão. E agora o grande Orgão vai constituir, certamente, um enorme desafio e provocação a um novo incremento na liturgia.
V.P. - O Orgão está projectado só para a liturgia?
P.O. - Bem..... primariamente para a liturgia. Como em todas as actuações da Igreja, no decurso da história, servirá também a cultura. A preocupação da cultura nunca esteve esteja alheia à acção litúrgica. A Igreja foi sempre pioneira na animação cultural da sociedade e hoje vê-se bem que não está a perder o ritmo.
V.P. - Mas será uma nova busca de domínio ou de preponderância social?
P.O. - Não. De forma alguma. É uma presença de oferta e serviço. Mas procura sempre e em tudo a melhor qualidade, colocando à disposição das pessoas aquilo que as pode valorizar espiritualmente. É uma celebração do Jubileu com marcas litúrgicas, culturais e sociais. A acção pastoral tem de integrar todos estes aspectos.
V.P. - A Igreja de Cedofeita possuía já um órgão electrónico de muito boa qualidade e com grandes potencialidades. Que destino lhe vai ser dado?
P.O. - Ainda não está completamente definido, mas existe o projecto de o oferecer a uma Igreja de Missão, em algum dos países de expressão portuguesa.