[ Tema Vivo ]



    Música Sacra: um tesouro a preservar e a enriquecer


    A Escola das Artes da Universidade Católica (Porto) "fabricou" no final do ano lectivo transacto, os seus primeiros licenciados, nos três cursos que desde 1997 tem vindo a leccionar: Música (com especialização em música sacra), Som e Imagem e Arte. A estes se juntará brevemente a licenciatura em Arte e Restauro.
    Entre os novos licenciados encontra-se Filipe Veríssimo, que completou a licenciatura em Música Sacra, sector em que se notabilizaram grandes compositores (quase todos os grandes compositores do passado e muitos do presente criaram alguma vez composições de inspiração sacra: Bach, Mozart, Beethoven, Verdi, Brahms, Bruckner ou Messiaen são apenas alguns dos nomes mais sonantes). Entre os portugueses não serão de esquecer nomes como Silva Carvalho ou João Domingos Bontempo, mas entre os do nosso tempo perfilam-se compositores que procuraram dar à música sacra todo o seu sentido e dimensão espiritual e cultural. Não se poderão esquecer os nomes de Manuel Faria e Manuel Luís. Na nossa diocese do Porto notabilizaram-se em tempos recentes Luís Rodrigues, Ângelo Fasciolo e Borges de Sousa. Essa chama é mantida acesa pela acção dinamizadora e pedagógica levada a cabo pelo Cónego António Ferreira dos Santos, que tem dedicado à valorização da música litúrgica e à divulgação da grande música sacra muito do seu talento musical (através de um vasto conjunto de cantos para a liturgia e de obras de mais vasto fôlego) e do seu dinamismo organizativo, que culminou na criação da Escola das Artes e particularmente do seu curso de música.
    Tal acção tem vindo a ser reconhecida, embora necessite de ser mais assumida pelos agentes pastorais. Mas seja permitida esta referência pessoal: em conversa com um dos responsáveis das celebrações litúrgicas transmitidas por uma das nossas televisões, ele declarava informalmente, referindo-se à participação musical: o Porto é onde se encontram as melhores celebrações e as melhores assembleias. Resulta quase sempre bem. Isso se deve à acção pedagógica do Secretariado Diocesano de Liturgia, cuja próxima realização (a Assembleia Diocesana de Coros, a efectuar em 24 de Novembro, em Espinho, demonstrará seguramente a riqueza do trabalho que tem sido feito).
    Filipe Veríssimo é um dos frutos destas Escolas, a das Artes e a da Liturgia, cuja continuidade permite augurar que não se perca tão benemérita e necessária acção. Quisemos conhecer algumas das suas perspectivas sobre o curso que concluiu e sobre o futuro que se pode perfilar a um jovem licenciado nesta ramo da cultura.

    VP - Como surgiu em si o gosto pela música sacra?
    F.V. Desde bastante novo, sem saber bem porquê, senti um claro apelo pela Música Sacra. Recordo-me de, com 15 anos, várias vezes ter ido à Sé Catedral do Porto só para ver o Grande Órgão. Aquele contacto gerava em mim vontade de voar para as áreas que aquele magnífico instrumento certamente permitia. Por isso, fiz o Curso Diocesano de Música Sacra. Depois, fiz os Cursos de Órgão e Director de Coro, nos Cursos Nacionais para Organistas e Directores de Coros Litúrgicos, realizados em Fátima.
    Logo que vi na minha frente uma hipótese de licenciatura em Música Sacra na Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa (que abriu em 1997) e ao deparar-me com um curriculum académico no qual ressaltava um extraordinário cruzamento de saberes teóricos e práticos, umbilicalmente relacionados, mais ou menos directamente com a Música Sacra, fiquei fascinado. Aderi. Fiz o curso. Neste momento, sou licenciado em Música Sacra. Estou contente e sinto-me agradecido.

    VP - Como interpreta então o significado e o valor da Música Sacra como forma de realização pessoal?

    F. V. - Descobri que a Música Sacra e/ou Litúrgica, nos seus variados ângulos (repertório, executantes, compositores, coros, participação da assembleia, estilos, época e linguagens) é das expressões artísticas que mais profundamente atingem o ser humano, quer na sua individualidade, quer na sua integração em grupo. Esse facto que acontece, em boa parte, pelo facto de a Música Sacra ser música, é ainda potenciado pelos sentimentos (individuais e comunitários) que a celebração da fé provoca nas pessoas que nela participam.

    VP - Que factores pessoais, sociais ou culturais influenciaram a sua escolha?

    F. V. - Em abono da verdade, devo fazer duas referências que foram fundamentais no meu crescimento para a Música Sacra. Tenho de referir o nome do Cónego Ferreira dos Santos, a quem considero um apóstolo da Música Sacra em Portugal, pelas múltiplas estruturas de Música Sacra que criou, a coroa das quais foi a Escola das Artes da U.C.P. na qual se insere a licenciatura em Música Sacra.
    Devo fazer, também, uma referência à Igreja da Lapa (Porto). Ela transformou-se num espaço no qual existe a sã ambição de fazer Música Litúrgica de qualidade. Isso explica que aí se tenham criado vários coros, uma orquestra e que não se esqueça de organistas para o seu grande Órgão de Tubos, de que muitos ouviram falar. Por outro lado, no espaço da Igreja têm-se realizado muitos concertos de Música Sacra, alguns de invulgar qualidade: concertos de órgão, concertos corais, orquestrais e corais sinfónicos.

    VP - Que projectos perfila para o futuro nesse campo da música sacra?
    F. V. - Eis porque, chegado à meta da minha licenciatura, estou disposto a dar-me à causa da Música Sacra e, com profunda alegria e convicção, vou procurar juntar pessoas que sonhem como eu estando certo que algo de muito bom irá acontecer. Desejo contribuir para que, a nível nacional, haja um movimento forte pró-Música Litúrgica e pró-Música Sacra. Estou convencido que os responsáveis da Igreja em Portugal irão estar abertos a essa boa causa.
    Estou consciente, também, de que apesar da licenciatura feita, terei ainda muito a aprender. Por isso, candidatei-me ao Mestrado em Ciências Musicais na Universidade Nova de Lisboa e terei, durante o ano de 2003, três estágios de uma semana cada um, com o Professor Olivier Latry, organista titular da Catedral de Notre Dame de Paris.
    Peço que me ajudem a sonhar. Desejo que outros sonhem comigo.

    Olivier Latry, actualmente organista titular da Catedral de Notre Dame em Paris, com toda a sua tradição, é um dos grandes organistas que tem actuado na cidade do Porto, na sequência do programa de restauro dos antigos órgãos de tubos (o mais recente é o de S. Bento da Vitória) e de construção e instalação de novos órgãos com essas características, que se iniciou em 1985 com o grande órgão de tubos da Sé do Porto e se tem vindo a continuar em várias igrejas da cidade: Lapa, Senhora da Conceição, Cedofeita, Ramalde, e que neste sábado, dia 26, se completa com o novo órgão de Santa Rita, em Ermesinde. Este programa permitiu trazer ao Porto alguns dos mais notáveis organistas da actualidade: Franz Lehrndorfer, Marie Claire Alain, Olivier Latry, Monika Henkel, Willibald Guggenmos, Lucca Antoniotti, Sibertan-Blanc, além de portugueses como Simões da Hora, ou dos portuenses como António Mário e Paulo Alvim.
    O porto possui neste momento um conjunto importante de órgãos de tubos operacionais, que bem importa serem valorizados, isto é, usados na liturgia e em concertos, como felizmente tem acontecido na Sé, na Lapa, em Cadofeita, na Senhora da Conceição, em Matosinhos, na Igreja de S. Lourenço e em outros locais. É o país e a sua gente que se valoriza.