[ Eclesial ]



    ACTOS E ACTAS

    Outros reis, outras modas!


    Outros reis, e outras modas, provocaram o abandono da Igreja da parte de muito boa gente ou, como se dizia ainda há bem pouco tempo, da melhor gente, de boas famílias e de boa classe, dirigente. É verdade que o século XX teve os seus Grandes Convertidos, nomes famosos em todas as áreas das ciências, das letras e das artes. Mas a impressão que fica, no fim do famoso e triste século XX, sobretudo depois do concílio Vaticano II, é de um certo estancamento, esgotamento. O que leva alguns críticos e analistas a afirmar que "a Igreja está a perder influência". Falsa impressão. No século XX as conversões contavam-se pelos dedos, e pelos anéis... Só que agora é impossível contá-las, às conversões e às multidões que procuram a Una e Santa, a Igreja Católica e Apostólica, hoje presente, actuante e viva, em tudo quanto é sítio e situação. Sim, também é verdade que a Igreja que está em Portugal, por exemplo, ainda está a perder muita gente... Gente que ela nunca ganhou e que a ela se colou por família, por classe, ou por moda! Mas enganam-se redondamente os que fazem leituras sociológicas destes ganhos e perdas.

    Os verdadeiros crescimentos da Igreja, ou são crescimentos de Cristo ou não valem nada para qualificar e quantificar a influência da Fé sobre o Mundo. Não se trata agora de alguns muitos convertidos, mas da chegada de reais multidões que vão exigir, já estão a exigir, reais mudanças pastorais a todos os níveis nas Igrejas Locais. Do Porto a Pequim. Apesar das perseguições. Em 24 de Dezembro último, com a idade de 83 anos, morreu o Bispo de Pequim, Pei Shangde, que estava em residência fixa ordenada pelas autoridades chinesas, depois de haver passado dez anos nos calaboiços comunistas. Os Católicos da cidade de Pequim foram formalmente proibidos de se deslocar para o funeral do seu bispo. A proibição não resultou. La Croix noticiou que nas exéquias do Bispo de Pequim estiveram à volta de 4.000 pessoas. E que, juntando-se aos ministros da Igreja Católica, concelebraram bispos e presbíteros da "Igreja Patriótica". De facto, a velha Muralha da China está a desmoronar-se sob a pressão, e a inquietação, da Multidão.

    Do Porto a Pequim, a pressão da Multidão é muita e é grande, de fora e de dentro da Igreja. Pastoralmente, vai pôr problemas tremendos à Igreja, sobretudo ao nível do Acolhimento. E às Sociedades, como na América Latina, em que desde o México à Argentina, outros reis e outras modas, elites intelectualmente mecanizadas e moralmente corruptas, impuseram sobre a multidão dos Pobres um desenvolvimento que os próprios Americanos, dos States, chamam de perverso. Eu não percebia este círculo vicioso que há séculos, desde as independências-revoluções, reina num continente inteiro. Nem os Colonos fizeram tanto mal às Américas. Perdoem-me os Maçónicos, que entre nós fazem 200 anos, os Jacobinos e os Anti-Clericais clássicos, que intelectualmente e politicamente têm tutelado as multidões da América-Latina, esta piada. É estranho, até porque os velhos republicanos e os modernos progressistas professam um grande amor à Humanidade. É uma piada, que eu não quero de mau gosto. Mas fazem-me lembrar a frase de um personagem de Dostoievski, que diz assim: "Cada dia sinto mais um grande amor à Humanidade, mas os homens quanto mais os conheço um a um mais os detesto!" Talvez que a minha explicação, sobre o perpétuo desastre da América Latina, valha tanto como qualquer outra. E se Luís Borges me ouvisse, talvez reagisse como o nosso Saramago. Com um encolher de ombros... Mas é um facto que as Igrejas há séculos que na América Latina perderam as elites. Razão por que ninguém gostava de Gustavo Corção, e no Brasil foi chamado de reaccionário... Gustavo Corção foi um dos Convertidos do Século XX, que no Brasil com alguns outros tentou pensar os males sul-americanos, e a quem as ditaduras militares talvez tenham tentado!... Quem nunca foi tentado, "que lhe atire a primeira pedra". Cem anos de solidão? Sim, velho como Salazar, aí está o velho Fidel Castro, o velho amigo de Garcia Marquez, a reinar até cair da cadeira... Cada um tem os seus velhos tutores, de todas as cores, agarrados ao poder como as ostras às rochas. Que ganhariam as Igrejas se mantivessem, ou ganhassem, as elites? Não conhecem Clóvis (498), o rei da tribo dos Francos que à antiga Gália deram o nome da França? O marido de Santa Clotilde acabara de conseguir uma vitória retumbante sobre os seus adversários. Entusiasmado, foi contar à rainha que obtivera a vitória graças à invocação do nome de Cristo. Clotilde mandou chamar em segredo Remígio, o santo bispo de Reims, e pediu-lhe que anunciasse o Cristo ao rei. Clóvis tinha apenas uma dificuldade: os seus soldados, e a tribo dos Francos, não estavam dispostos a renunciar aos seus deuses!... Mas Clóvis garantiu ao Bispo que iria ter uma conversinha com os seus soldados. É aqui que entra a lenda dourada, que surge no meio de uma grande embrulhada. S.Gregório de Tours (594), autor da "História dos Francos", ou foi ingénuo, ou forçou a nota. "Ainda o Rei não tinha dirigido a palavra à sua gente, quando todos gritaram ao mesmo tempo: 'Nós rejeitamos os deuses mortais, e é ao Deus Imortal, que Remígio anuncia, que estamos prontos a seguir!'" O Bispo mandou imediatamente preparar a piscina baptismal. Clóvis foi o primeiro que pediu o Baptismo. São autênticas as palavras do Bispo: "Baixa docemente a cabeça, ó Cicambro, adora o que queimaste e queima o que adoraste!" Seguiu-se o baptismo dos soldados, e depois de todo o povo. Sim, porque os reis é que fazem a moda!... A papel químico, as nações bárbaras umas atrás das outras, foi assim que no Ocidente se formaram os chamados Reinos Cristãos, pela entrada em massa na Igreja. As Democracias Cristãs parecem muito saudosas desses tempos...

    Mudaram-se os tempos, mudaram-se as vontades, e agora são outros reis que fazem a moda. Com a grande, absoluta, diferença. Já não são as multidões de Clóvis, pois nestes novos encontros, reencontros, depois de tantos desencontros, os Fariseus e os Saduceus, com os seus fermentos e os seus escribas, são agora marginais, como nos dias de João Baptista... As distâncias que João soube manter em relação a eles - "Raça de Víboras!" - conseguiu preservar Jesus de Nazaré "até à chegada da minha Hora", conforme o nosso Mestre explicou a Maria, sua mãe, nas Bodas de Canã. O nosso Regresso às Fontes reencontra os passos do Mestre. Reais multidões, em tudo quanto é sítio e situação, as multidões do Evangelho, desde o Atlântico à Oceânia, desde a terras do Norte à Argentina, procuram a Última Esperança. Mas as adesões, e as entradas, nunca mais serão em massa, como é próprio do carácter do Cristão, e da autenticidade do acto de Fé. Uma questão de necessidades religiosas, à maneira de André Malraux? Isso não chega, nem para explicar nem para aplicar o Cristo, até porque há gente que se refere às necessidades religiosas nos mesmos termos com que falam de necessidades sexuais!... Para os especialistas não é tudo uma questão de pulsões? Não, a Graça não é pulsão!

    Leonel Oliveira