Esmola, mera filantropia?
É em tempo quaresmal que melhor se entende e se usa a arma penitencial da esmola, a par da oração e do jejum. É difícil abordar e praticar a esmola, visto criar em nós um sentimento dúbio, de interrogação ético-moral de dar a uns e não dar a outros e para que fim servirá, realmente, a esmola que damos. Será ela mera filantropia?
O assunto em causa é sempre um bico-de-obra, mas não podemos justificar sempre com a argumentação: ah, já sei que é para droga, por isso não dou. Julga-se precipitadamente. Acusa-se o outro na sua indefesa e escória. Criam-se preconceitos que demoram, depois, a passar e a corrigir.
Apesar de tudo isto, a esmola não deixa de ser um gesto de bondade, solidariedade humana, ajuda ao próximo e, assim sendo, um seguimento da acção divina. Pressupõe desprendimento, desapego que faz incentivar a gratuidade, ou seja, dar de graça o que recebemos de graça e um dar desinteressado. Dar é dar e não apenas emprestar. Não existe uma expressão que se ouve, por vezes, da boca dalguns: o emprestadar
Dada a sua importância é também um acto religioso, traduzido na colecta litúrgica. Colecta é o termo correcto a usar, ao invés de peditório. Além de considerar ser uma palavra menos feliz, não se aplica verdadeiramente ao espírito cristão que se pretende dar na celebração. Leia-se colecta como se apresenta no dicionário, contribuição ou quota para obra de piedade ou para uma despesa comum.
Com esta mesma relevância aparece-nos nos ditados populares, embora em dois gumes contraditórios. Por um lado, positivo, é a prece por excelência, é de quem a faz e não empobrece; mas por outro, menos positivo, quando é muita o pobre desconfia, se é boa a prodigalidade é má, se soa é porque não é boa e se com brevidade pouca importunidade.
Há um lema em vigor no Brasil que bem se poderia adoptar cá. Sem temor, mas com primor: Não dê esmola. Dê futuro. É certo que contraria a perspectiva já apresentada, mas entende-se numa realidade no Brasil, em Portugal e muitos outros cantos do mundo em que a mendicância é alastrante e o panorama degradante, porque repenicados e feridos de miséria humana e de pobreza aguda. Daí que somos constantemente deparados de argumentos ludibriantes. À mistura de verdadeiros pobres e necessitados, aparecem-nos muitos outros tipos de situações na rua a exigir a nossa esmola. Uma forma de não a dar, sem desrespeitar o outro, é, por exemplo, dar comida, dar abrigo, dar ajuda, mediante o que nos pedem e do que, certamente, podemos dar. Isso é também uma forma de dar futuro. Uma, duas, três vezes, as vezes que forem precisas. Custa, é verdade! Mas é assim que poderemos melhorar o próximo e esse mundo que nos rodeia, que também existe ao nosso lado, na nossa rua. Porque se formos sempre a dar a esses que sabemos que é uma pobreza encoberta (normalmente, muitos arrumadores de carros) estamos a contribuir para uma maior mendicidade e pedinchice. O sermos justos e criteriosos no dar é uma forma de atenuar e diminuir a exclusão social.
É também importante não quantificar a esmola, pois não é o que se dá e quanto se dá que caracteriza o seu valor. O gesto é tudo, vale por si só. Isso é também dom. Nós somos e fazemos dom, com o Dom de Deus.
Eis de novo a questão: esmola, mera filantropia? A resposta é não. A esmola é, portanto, mais do que uma caridade (não é mais uma nem uma a mais), é mais do que humanitarismo e do que um amor sem distinção de raça e cultura.
André Rubim Rangel