[ Liturgia ]



    Uma Leitura dos Textos Bíblicos

    Toda a criatura verá a salvação de Deus


    1.ª Leitura (Bar 5, 1-9): “Reveste para sempre a beleza da glória que vem de Deus”

    Embora atribuído ao secretário de Jeremias, Baruc, trata-se de um escrito tardio (séc. II/I). É um dos sete livros bíblicos chamados "deuterocanónicos" por não figurarem na Bíblia hebraica. Conhecemo-lo pela versão grega dos LXX. A leitura de hoje faz parte de um conjunto poético, ao estilo do Dêutero-Isaías. "Jerusalém, deixa a tua veste de luto e aflição e reveste para sempre a beleza da glória que vem de Deus ..." - Jerusalém é-nos aqui apresentada na imagem de uma mãe deixada só, abandonada pelo marido e com os filhos desterrados ou desaparecidos, humilhada pela dor e pelo luto. O profeta anuncia-lhe uma boa nova, convidando-a a mudar de veste, como sinal de libertação (imagem que faz lembrar Judite que se adorna antes da sua acção libertadora - cf. Jud 10, 3). A mudança é tal que Deus dá à cidade um nome novo.
    "Levanta-te Jerusalém... vê os teus filhos reunidos ... por ordem do Deus Santo..." - Nesta 2.ª estrofe, Jerusalém é convidada a olhar para fora de si mesma, não a sua situação, mas para algo que vem, para a acção libertadora de Deus que se desenha como um novo êxodo, uma nova criação (3.ª estrofe).

    2.ª Leitura (Fl 1, 4-6. 8-11): “Que a vossa caridade cresça cada vez mais”
    "... Peço sempre com alegria por todos vós, recordando-me da parte que tomastes na causa do Evangelho, em comunhão comigo ..." - Os primeiros versículos fazem parte da acção de graças e oração do princípio da carta. Paulo dá graças pela participação da comunidade na sua acção missionária ou pelos sofrimentos que a conversão à fé lhes causou. Deus é o autor de tudo o que eles foram e são capazes de realizar e lhes dará a recompensa. A vida cristã está, pois, motivada pelo dia da vinda do Senhor."Por isso lhe peço que a vossa caridade cresça cada vez mais..." - Paulo pede que a comunidade avance na vida cristã, por meio de um amor cheio de um conhecimento da fé e de uma clarividência que faça discernir o que é mais importante, na perspectiva do dia de Cristo. Esta reserva escatológica deve ser o critério permanente do cristão no mundo.

    Evangelho (Lc 3, 1-6): “Preparai o caminho do Senhor”
    O texto de hoje é o "prólogo histórico" do evangelho de S. Lucas, após o "prelúdio" das narrações sobre a infância de Jesus. Na perspectiva do Evangelista, termina o tempo de Israel (que vai desde a criação do mundo até João), e começa o tempo de Jesus.
    "No décimo quinto ano do reinado do imperador Tibério ..." - S. Lucas não se limita a datar a acção de Jesus (ano 27/28 d.C.), mas insere na história e na Geografia o acontecimento transcendente da vinda do Filho de Deus, o Rei, precedido pelo seu arauto (João). Ele é inserido aqui num contexto ao mesmo tempo universal, regional e local, político e religioso. Entre as personalidades mencionadas, Pilatos, Herodes, Anás e Caifás reaparecerão como protagonistas no relato da Paixão.
    "... Foi dirigida a Palavra de Deus a João, filho de Zacarias, no deserto" - Lucas apresenta João Baptista como o último dos profetas do Antigo Testamento; em Jer 11 encontramos os mesmos termos. O protagonista principal é a Palavra. João é apresentado por Lucas cheio do Espírito Santo desde o nascimento e, agora, em acção, à semelhança dos Profetas do AT. Esta vocação de João no deserto leva a pensar que faria parte de uma comunidade de essénios que abandonara para pregar a todo o povo.
    "... Como está escrito no livro dos oráculos do profeta Isaías ..." - note-se que Lucas alterou a pontuação de Is 40, 3: em Is lê-se: "Uma voz clama: no deserto, preparai o caminho para o Senhor"; em Lc lê-se: "Uma voz clama no deserto: preparai o caminho...". Deste modo, o anúncio de um novo êxodo, feito pelo profeta, transforma-se no anúncio da missão de João no deserto. Sendo assim, também o endireitar das veredas e o aplanar dos vales e colinas deixam de se interpretar à letra e recebem um sentido simbólico, no contexto do apelo à conversão proclamado pelo Baptista.
    "Toda a criatura verá a salvação de Deus" - S. Lucas é o único dos sinópticos a prolongar a citação de Is até este anúncio do alcance universal da salvação.