Rui Osório *
Há 40 anos, quando saiu, em 3 de Janeiro de 1970, o primeiro número de Voz Portucalense, havia o Recorte, que, por modesto pagamento, recolhia todas as referências ou citações da VP. Esse dossiê era interessante para sabermos os louvores ou as críticas ao novo semanário da Diocese do Porto.
Desculpem a expressão, mas muitos consideraram, com lisonja, que a VP, desde a primeira hora, era um pedrada no charco da Imprensa de inspiração cristã.
Se fomos saudados com louvores pelo Diário de Lisboa, República, Novidades, Diário do Norte, Jornal da Madeira, Diário de Moçambique, Notícias da Beira e pela generalidade dos semanários diocesanos daquela época, também ficamos debaixo do olho crítico de alguns jornais enfeudados ao Estado Novo e que até criticavam as distracções da própria censura e do aparelho policial. Era o caso de A Voz e do Diário da Manhã. A Voz chegaria ao cúmulo de estranhar que o chefe de Redacção da VP continuasse em liberdade depois do que escrevia!
O novo semanário era o jornal do Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes. A VP tinha sido das suas primeiras iniciativas depois do exílio. Havia ainda quem não lhe perdoasse a sua coragem de querer uma Igreja livre das arbitrariedades do poder político e esperasse razões para voltar a escorraçá-lo.
Era previsível que um jornal de inspiração cristã não levantasse ondas. Não foi esse o nosso objectivo e, por imperativos éticos e espirituais, entendíamos que a liberdade de informação e de opinião era um dos direitos humanos que teríamos de defender e de promover.
Casos menores na crítica foram também aqueles que reagiram contra o nosso estilo inovador e diferente. Quem se lembraria que, ao noticiarmos, a mensagem natalícia do então cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Gonçalves Cerejeira, disséssemos, sem malícia, que, falando para o país pela Televisão, mais não era do que a voz do arcebispo de Lisboa. O senhor cardeal, amavelmente, acusou o toque e enviou-nos um cartão a dizer que não precisava que lhe lembrássemos que era tão-só bispo de Lisboa.
A censura nunca nos consentiu qualquer trégua, a ponto de um dia transcrevermos, de propósito, uma passagem do Evangelho como um simples texto de opinião. Os censores impediram a publicação desse texto evangélico!
De Concordata na mão, fomos falar com o coronel responsável da censura no Porto, chamando-lhe a atenção que, afinal, transgredia uma norma de direito internacional entre a Santa Sé e o Estado português. O homem, aflito, telefonou para Lisboa para consultar os seus superiores que o obrigaram a emendar a mão.
Precisávamos de algum humor para temperar as dificuldades de salvaguardar no possível a liberdade de pensamento e de opinião. A tarefa não foi fácil, mas esses foram os alicerces para que a VP vingasse com honra até aos dias de hoje.
* conegoruiosorio@diocese-porto.pt