Manuel António Ribeiro
Aumentam em cada dia as vozes de discordância em relação à chamada Terminologia Linguística para o Ensino Básico e Secundário (a enfadonha TLEBS). Uma colunista do jornal Público rotulou-a, muito oportunamente, de «monstro». A própria Ministra da Educação acaba de anunciar, em recente entrevista, que esta medida, tomada pela sua antecessora na pasta ministerial, precisa de ser revista. Respiramos fundo, ao verificarmos que, finalmente, os responsáveis governamentais se dão conta de que a sua generalização seria uma monumental falta de bom senso.
Não está em causa a necessidade de uma padronização da terminologia gramatical, de modo a evitar designações técnicas diferentes para traduzir a mesma realidade linguística. Todavia, o que consta na proposta da nova terminologia, em vez de uma clarificação conceptual didacticamente aplicável, mais parece um concurso para o guiness da confusão. Para o leitor ter ideia da magnitude de tal baralhada, fique a saber que esta proposta obriga a dominar mais de setecentos conceitos gramaticais, com as suas respectivas designações técnicas.
Começa aqui o primeiro disparate. A experiência docente mostra que o excesso de informação provoca um efeito de «ruído» que tem o resultado funesto de impedir uma informação eficaz. Mas a aberração não se fica por aí, pois a panóplia conceptual prevista na TLEBS, além da sua irrealista extensão, serve-se, por vezes, de uma linguagem tão absurdamente especializada que roça as margens da pura fantasia. Apenas alguns casos ilustrativos: No domínio da Fonética e Fonologia, os alunos terão de aprender que a sílaba se pode segmentar em «ataque», «núcleo» e «coda» e deverão saber que as vogais dispõem de oito subdivisões (orais, nasais, baixas, médias, altas, adiantadas, recuadas e arredondadas). No domínio da Morfologia, os alunos terão de distinguir se a antonímia é «contraditória», «conversa», «contrária ou graduável» e deverão ter a subtileza de se aperceber se o aspecto verbal é «durativo», «genérico», «gramatical», «habitual», «imperfectivo», «perfectivo», «iterativo», «lexical» ou «pontual». No tocante aos substantivos (perdão, aos nomes, porque a designação de substantivo é inexoravelmente rasurada), os mesmos alunos deverão acrescentar às subdivisões que já conhecem mais esta lista: «contável», «não contável massivo», «não contável não massivo», «humanos, «não humano», «animado» e «inanimado». No domínio da Sintaxe, terão de fazer dissecações para distinguir «frase finita», «frase não finita», «não finita gerundiva», «não finita imperativa», e «não finita participial». O mesmo acontece dentro do campo da Semântica Frásica, onde o aluno terá de diferenciar «modalidade deôntica» de «modalidade epistémica». Com se isso não bastasse, a confusão torna-se babilónica quando, para nomear novos conceitos linguísticos, se usam exactamente as mesmas designações que os alunos já conhecem, aplicados, todavia, a domínios da gramática tradicional. É o caso da designação de «anáfora», referida a uma realidade linguística, não obstante o termo continuar a ser usado no domínio da estilística.
Se o leitor conseguiu chegar ao fim da leitura desta simples exemplificação, está de parabéns. Mas se tivesse de continuar a percorrer toda a vasta e enfadonha artilharia conceptual da TLEBS, precisaria de atingir a fasquia da heroicidade, pois ela enferma de três males que a tornam intragável: é excessiva, é prolixa e é infectada por uma compulsiva avidez de inovação tecnicista.
A TLEBS deveria ser norteada pela preocupação de salvaguardar o realismo pedagógico, evitando não só uma sobrecarga de conceitos como também o uso de um código técnico tão especializado que, se vier a ser aplicado nas escolas, terá efeitos devastadores ao nível da motivação dos alunos.
Esperemos, pois, que o bom senso acabe por se impor.