C. F.
Foi o país agitado por discussões despoletadas pelo anúncio de uma nova versão do estatuto da carreira docente dos professores do ensino público. O mais falado pomo da discórdia situava-se num ponto, com esquecimento ao menos transitório de outros: a participação dos pais na avaliação dos professores (entenda-se: avaliação formal para efeito de progressão na carreira docente: porque a toda a hora qualquer professor, como outras profissões, é constantemente avaliado, com fundamento ou sem ele, por dados ocasionais ou apenas por impressões superficiais mais ou menos aproximadas do real).
Uma tal proposta mereceu a repulsa das organizações de professores e a complacência mais ou menos entusiástica de algumas associações de pais.
Seja-nos permitido falar a partir de uma experiência de décadas como docente, como formador e como professor, e como membro de várias direcções escolares.
O primeiro que importa dizer: a relação entre os pais e a escola (pública ou privada que seja, porque a chamada escola privada também é escola pública, visto ser dirigida ao mesmo universo de cidadãos e ao serviço da mesma sociedade) deve pautar-se pela colaboração, pelo diálogo, pela interacção e pela partilha de responsabilidades; nunca pela intromissão.
Foi um princípio que sempre defendemos: os pais devem desempenhar em relação à escola e função de pais, e as suas organizações têm o direito de intervir como dialogantes, não como agentes.
Toda esta movimentação paterna começou há cerca de uma década e meia, quando algumas mentes iluminadas nascidos das chamadas ciências de educação começaram e entender que tudo se devia meter dentro da escola e na sua orientação: pais, autarquias, interesses económicos e sociais, organizações cívicas. Houve até quem com responsabilidade afirmasse que se deveria abandonar o princípio de uma escola de professores, pelos professores, para professores, macaqueando de forma desajustada, se não ofensiva, a conhecida frase definidora da obra do Padre Américo: de rapazes, para rapazes, pelos rapazes. Um tal retrato estava claramente mal feito, porque a escola deve ser da comunidade, para os jovens, por pessoas pedagogicamente preparadas.
Mas deixemos este aspecto certamente infeliz, mas proferido por quem de responsabilidade e mesmo de direito, ao menos na altura.
O desajuste desta visão está à vista: nem as escolas têm direcções adequadas e eficazes, a orientação pedagógica transformou-se em longas discussões, a autoridade do professor (e dos pais) está destruída, e o carácter de uma escola que deveria ser local de edificação, de formação de personalidade, de aperfeiçoamento físico e psíquico, construtora de valores morais, valorizadora de cultura e do conhecimento, ao serviço do que define a ainda Lei de Bases do Sistema Educativo como os valores espirituais, morais, estéticos da pessoa. Uma escola em que se realizasse aquilo que o conhecido Relatório Delors definia como os pilares educativos: ser, saber, saber fazer e saber estar em relação com os outros. De tudo isto, aquilo em que menos a escola falha é no saber e talvez no saber fazer (em algumas coisas); aquilo em que mais falha é no ser (ser pessoa, ser homem ou mulher de princípios e convicções, com equilíbrio pessoal e valores morais sólidos) e no saber estar em relação com os outros, isato é, a convivência cívica e social.
Entendemos que a atitude dos pais em relação á escola deve ser de exigência: que ela funcione devidamente, que exerça a autoridade e que crie valores pessoais e sociais; mesmo que seja eficaz do ponto de vista da formação científica e cultural.
Mas nunca deve ser de intromissão: quanto mais intromissão, menos diálogo; quanto mais participação indevida, maior tentação de dominar em coisas que não se sabem dominar.
Temos assim os pais dentro das escolas um pouco como aprendizes de feiticeiros: deram-lhes instrumentos que depois não sabem ou não podem dominar e acaba por se subverter todo o equilíbrio pedagógico.
Os pais e as suas associações devem acompanhar a escola enquanto pais, em diálogo e colaboração, não em intromissão e decisão.
Enquanto os cientistas da educação ou dos gabinetes ministeriais não entenderem isto, os conflitos serão cada vez maiores e mais inúteis.
Ora é aqui que se insere a bizantina questão da avaliação (formal) dos professores pelo pais dos alunos.
Uma avaliação supõe ao menos três coisas: conhecimento, capacidade e presença ou acompanhamento. Nenhuma destas coisas os pais podem fazer em relação a um docente. Primeiro porque a maioria não tem conhecimentos sobre avaliação (mesmo que, como dizia um membro de uma associação, até lá haja muitos doutores e engenheiros quantos por centro, poder-se-ia perguntar); ora quem não conhece as normas de avaliação deixa de ter capacidade para o fazer; e sobretudo faltará a presença e o acompanhamento das actividades lectivas, a verificação dos dados, a participação na acção e nas actividades lectivas e pedagógicas.
Daí que toda a avaliação que se possa fazer vai nascer de dois elementos: o bom ou mau aproveitamento dos filhos (ou o que supõem ser o seu aproveitamento); e as impressões que possam colher junto dos mesmos alunos ou em algum ocasional contacto com a escola.
Ora uma avaliação não se pode fazer por impressões, mas por dados, conhecidos, analisados e confrontados.
Por isso a ideia peregrina de pôr os pais ou as suas associações e emitir opinião avaliativa (recordo que se entende opinião avaliativa formal e fundada) sobre a acção pedagógica do professor só pode nascer de técnicos de gabinete que andem buscando originalidades estranhas na natureza.
Uma escola só é digna desse nome se se afirmar como escola: organizada pelos seus pedagogos e confrontada sempre com a sociedade. Opte-se pela via do diálogo, e não da intromissão.
O que acaba de ser proposto é o inverso.
O resultado do debate entretanto desenvolvido já levou a ministra a refazer a proposta: que a opinião dos pais (já não se fala de avaliação) terá um peso minimalista, mas será consequente.
O que será um peso minimalista? Como pode ser consequente o que é minimalista? (a impressão, a ideia geral, o sentimento pessoal?).
O excesso de voluntarismo é frequentemente inimigo do bom senso. Actual ministra da Educação é certamente voluntariosa. Mas vê-se que precisava de ponderar melhor as propostas.