[ Especial ]



    Eterno masculino

    Ferreira de Brito


    Vários dos leitores do primeiro volume deste Diário me questionaram se eu era machista ou feminista e com uma insistência que me surpreendeu, porque nunca me meti nessas alhadas.. Pelo que sou e pelo que escrevi, eventualmente com alguma (intencional?) ambiguidade, deixo a pleno critério deles decidir, porque, pessoalmente, não tenho certezas e não quero provocar animosidades. Sempre que estas questões afloram ao meu espírito, lembro-me logo do Livro dos Provérbios, esse poço inesgotável de sabedoria concentrada e ancestral, que se exprime assim:
    «É melhor habitar a um canto do terraço! Do que viver com uma mulher impertinente em espaçosa casa.»
    E mais nada acrescento. É o artigo mais pequeno que escrevi para este jornal…
    Porque terá sido?

    “O grande silêncio”, filme a não perder
     
    Nos monges da Cartuxa de Évora, exclusivamente dedicados à oração e ao silêncio, temos também esta realidade concreta, ainda que ignorada do grande público, normalmente alheia às coisas do espírito.
    Este filme é fruto da fascinação sentida pelo director alemão Philip Groning, ao contactar pessoalmente com os monges da “Grande Cartuxa de Grenoble”, nos Alpes franceses.
    Nessa altura pediu ao D. Abade para aí rodar o filme, mas foi-lhes dito que iriam pensar no assunto, e a resposta só veio dezasseis anos depois e com condições: nada de luz artificial, nem música e nem qualquer comentário e só ele director e sem mais ninguém.
    O resultado é um filme extraordinário e fora do comum, caracterizado pelo ascetismo e simplicidade identificada com a vida quotidiana dos monges.
    O director fugiu à tentação de fazer um documentário com visão e leitura pessoal, para apresentar a realidade pura e crua, matéria em bruto, a ser trabalhada pela sensibilidade e olhar do espectador.
    Tudo o que vemos ali não é mais do que a formosura da vida contemplativa em si mesma, com momentos deliciosos como o recreio deles na neve, a ida ao barbeiro, na enfermaria, a recolha do correio e muitos outros apanhados com naturalidade e nada de cenas estudadas.
    Os mais entendidos nestas coisas, gostariam de ver mais da sua vida litúrgica e da Eucaristia, ainda que apareçam vários textos bíblicos, em latim, escolhidos com muita inteligência e acerto.
    O canto gregoriano a sair do coro com os monges em oração, a serenidade dos rostos, transmitem ao espectador uma paz interior difícil de encontrar por outras bandas e a saber a pouco.
    Anda por aí gente dita fina, a querer experimentar os mosteiros budistas do Tibete, como aliás foi o primeiro pensamento do Philip Groning, tendo nós coisas tão boas e tão perto como no nosso Alentejo.
    Um desses mestres budistas falava a um jovem europeu dos grandes místicos do Ocidente, como Teresa de Ávila e João da Cruz que ele ignorava completamente. Andamos à procura lá fora, do que temos dentro.
    Neste “Grande silêncio” cumpre-se literalmente aquilo de que falam eles os místicos, estar a sós com o Só em música calada, solidão e silêncio sonoro.
    Este filme foi premiado como o melhor comentário entre os outros europeus e alemães.
     
    Acácio Marques