Gonçalves Moreira
Numa das últimas semanas, chamámos aqui a atenção para uma categoria de pessoas do nosso tempo, os yupis, que representam, de certa maneira, uma das características desta civilização, chamada ocidental. Não se trata só de pessoas ambiciosas, mas de pessoas que, para além disso, têm também competências e qualidades para triunfarem.
Hoje referimos uma outra espécie de pessoas, que também caracterizam estes tempos. Enrique Rojas chama-lhes o "homem light". Quem são?
Entraram recentemente no comércio um certo número de produtos chamados "light" - cigarros, bebidas, cerveja sem álcool, manteiga sem gordura... - que se caracterizam pela sua falta de agressividade. Ora existe também, como muito bem diz Enrique Rojas, o "homem light", "um sujeito que tem por bandeira uma tetralogia niilista: hedonismo, consumismo, permissividade, relativismo, todos eles impregnados de materialismo".
Este homem é um produto desta civilização, desprovida de valores, que não sejam apenas materiais, caracterizada pela incerteza e o relativismo voltada apenas para o provisório, o caduco, o superficial, que não prepara para assumir compromissos, permissiva, com uma ética vaga, oportunista e oscilante, ao sabor das circunstâncias. As informações caem-nos em cima às catadupas, contraditórias muitas vezes, perturbando o nosso espírito crítico, que acaba por desaparecer. O apelo constante ao voto faz crer que a verdade despende das maiorias. Tudo isto leva a que haja uma dissociação entre o discurso e a prática, entre aquilo que é considerado como ético e o que se pratica no dia a dia. O importante é o que está na moda. A opinião pública condiciona a maneira de pensar. Quem tem coragem de afirmar algo contrário ao que dizem as maiorias?
É sintomático aquilo que se passa nas famílias. No que se refere à educação, os pais abdicaram simplesmente de transmitirem valores aos seus filhos. Entregam-nos às escolas e estas não estão vocacionadas para educarem, mas para instruírem. Os jovens ficam sujeitos apenas às influências dos colegas e da televisão. Não admira que haja entre eles muitos consumidores de álcool e de droga. Quanto à estabilidade dos laços familiares, é o que sabemos: as separações e os divórcios são uma realidade de todos os dias. Alguns, para não assumirem compromissos, seguem o processo das "uniões de facto", que a própria lei reconhece.
"Há quem pense que se está a criar o homem light, um homem descomprometido com posições, ideologias e papeis sociais, para quem tudo pode ser e tudo vale... Trata-se de um homem relativamente bem informado, mas de escassa formação humanista, muito votado ao pragmatismo, por um lado, e a vários assuntos, por outro. Tudo lhe interessa, mas de forma superficial; não é capaz de fazer uma síntese daquilo que percebe e, como consequência, converte-se numa pessoa trivial, superficial, frívola, que aceita tudo, mas que carece de critérios sólidos em sua conduta. Tudo nele se torna etéreo, leve, banal, volátil, permissivo". ("O homem moderno. A luta contra o vazio").
O homem light é produto desta civilização, marcada por conquistas técnicas e científicas impensáveis ainda há bem pouco tempo, mas falha de valores, onde impera o amoralismo e mesmo a imoralidade despudorada, esta sociedade a que Lipovetski chama de "a era do vazio".
Enrique Rojas põe em relevo as seguintes características da sociedade, que favoreceram o aparecimento do homem light: "a) materialismo: faz com que um indivíduo tenha certo reconhecimento social pela única razão de ganhar muito dinheiro. b) hedonismo: viver bem à custa do que quer que seja é o novo código de comportamento, o que atira para a morte dos ideais, o vazio de sentido e a busca de uma série de sensações cada vez mais novas e excitantes. c) permissividade: destrói os melhores propósitos e ideais. d) revolução sem finalidade e sem programa: a ética permissiva substitui a moral, o que produz uma desordem generalizada. e) relativismo: tudo é relativo, com o que se cai na absolutização do relativo; brotam assim uma regras presididas pela subjectividade. f) consumismo: representa a fórmula posmoderna da liberdade.
Uma sociedade com estas características não é uma sociedade cristã e as pessoas que vivem de acordo com aquela filosofia da vida não podem considerar-se cristãs. O cristão tem um objectivo na vida e um objectivo bem definido e além do mais, transcendente: ele espera e caminha para a sua realização pessoal no Reino de Deus, que, sendo escatológico, deve começar a realizar-se, desde já, no tempo, através do empenhamento de cada um de nós. O cristão cultiva valores que não são exclusivamente materiais. O cristão não é indiferente perante o mal e o pecado deste mundo, mas luta contra ele, em si próprio e na sociedade em que vive. O cristão tem o dever de amar os outros homens, e de uma maneira especial os mais necessitados, comprometendo-se, por isso, na construção de um mundo melhor, mais justo, onde todos os homens possam ser respeitados na sua dignidade. O cristão sabe que a sua liberdade não depende do ter, mas do ser. O cristão respeita a opinião de todos, mas não pode aceitar o relativismo da verdade. O cristão não fecha os olhos à realidade do sofrimento e da morte, porque a sua fé lhe dá as respostas suficientes para ele entender o plano de Deus para a salvação da humanidade. Por isso, ele olha para a vida com realismo, por certo, mas também com optimismo, sem "náusea", sem desespero, sem a sensação do fracasso ou do "vazio", porque sabe que Deus, sendo o Senhor da História, encaminha todos os acontecimentos para o êxito final de toda a criação.