[ Especial ]



    A lei do escuta

    A lei e o evangelho


    Dirigindo-se ao Caminheiro, BP dizia-lhe em 1922: "É preciso lembrares-te que passando a fronteira entre a adolescência e a idade adulta, não aprendes mais a praticar a Lei do Escuta, mas a utilizas realmente na tua vida". É, pois, certo para o fundador do Escutismo, que a Lei não se destina só aos adolescentes. E por uma boa razão: é que a Lei é decalcada do Evangelho e, tal como este, destina-se a todos.
    Colocou-se em dúvida, por vezes, o carácter cristão da mensagem de BP. De facto, as referências religiosas nos seus escritos não são abundantes. Quando ele escreve "a nossa finalidade, no Movimento, é contribuir, na medida do possível, para a construção do Reino de Deus na terra", não se trata tanto de conduzir o homem para a sua salvação, mas sim a humanidade para a felicidade. Todavia, em 1928, BP concretiza que se o homem deve "encontrar o seu paraíso na terra", deve também elevar-se "ao nível de uma união íntima com Deus e a eternidade". E, nesse mesmo ano, declara explicitamente que "a nossa finalidade é praticar a religião cristã na vida e nas actividades de cada dia".
    Quanto aos redactores da Lei do Escutismo católico francês, a sua referência evangélica é evidente. O Cónego Cornette escreve que a Lei é "uma expressão concreta das máximas puras do Evangelho" e a "sua tradução em fórmulas claras e breves". Pierre Delsuc vê na Lei "o essencial do ensinamento evangélico". Podem-se multiplicar as citações, dado que é tão evidente que se a Lei, para o Escuta, "é elo entre os sonhos e as acções" (Michel Menu), deve ser para todos um elo entre o Evangelho e a vida. O Pe. Rimaud lembrava firmemente, em 1971, que "a Lei do Escuta é muito mais do que a regra moral de uma vida de natureza e ar livre". Já em 1947 lamentava a tendência de ver somente isto: "Chegam, muito frequentemente, a cortar a Lei do Escuta do Evangelho de onde ela sai, a distinguir um ideal moral de domínio de si próprio e de serviço, um ideal puramente natural ou laico que exprimiria a Lei, e o ideal cristão com as suas exigências e profundezas sobrenaturais".
    Se meditarmos a Lei do Escuta, artigo a artigo, teremos inúmeras ocasiões de aproximar a Lei do Evangelho, e de nela encontrar o eco das Bem-Aventuranças. Lembremo-nos sempre desta afirmação de um homem que compreendeu e viveu o Escutismo profundamente: "não se deve nunca cortar a Lei do Escuta do Evangelho de onde ela sai".
    É preciso acrescentar que, se a Lei do Escuta "sai" do Evangelho, todavia traduz somente uma pequena parte do seu ensinamento. Ela mesma é incompleta: não pode ser separada da Promessa. Mas este conjunto, também ele, não poderia pretender transmitir a totalidade do ensinamento evangélico.
    A Lei do Escuta é, antes de mais, uma regra do jogo, do jogo escutista, de vida comum em campo. Após isto, torna-se uma regra de vida: "uma maneira de ser", dizia o Pe. Forestier. Mas aquele que se esforçasse por viver segundo esta Lei, sem mais, estaria ainda longe das exigências da vida cristã. Se a Lei do Escuta ignora as proibições, é porque ela é pedagógica; mas o cristão não deve esquecer que, acima dela, existe a Lei do Senhor, aquela que não podemos transgredir sem pecar. Aquela que Cristo "não veio revogar mas dar pleno cumprimento" (Mt 5,17). Aquela das Bem-Aventuranças e do Sermão da Montanha.
    O Escuta é, em primeiro lugar, um cristão e, porque não deixa nada a meio, ele compromete-se "pela sua honra" em o ser verdadeiramente, lealmente, generosamente. É no Evangelho, é no ensino da Igreja, que o Escuta procura a Palavra de Deus.
    Claro que o Escutismo não é uma ordem religiosa ou uma espiritualidade. Sabemo-lo bem. Mas, se S. Bento, S. Domingos, S. Francisco de Assis e outros, ao longo dos séculos, puderam ler o Evangelho a seu modo, sem nada esquecer e privilegiando um ou outro aspecto da Boa Nova, porque não poderiam os Escutas fazer a sua procura no Evangelho, em particular, tudo o que encontram na Lei do Escuta?
    Esta sairia transfigurada. Não seria mais um peso a carregar, mas sim uma luz a iluminar o caminho. E porque traduziria, parcial mas fielmente, o Evangelho de Jesus Cristo, também a ela se aplicaria a afirmação de Jesus: "o meu jugo é suave e o meu fardo é leve" (Mt 11,29).

    (Traduzido do Livro "La Loi Scoute, une source vive" das edições C.L.D. cujo autor é Jean-Pierre Normand, assistente dos Scouts de France - Associação Escutista Católica Francesa)