Vaticano analisa o filme A Paixão de Cristo, de Mel Gibson
Após uma projecção privada do filme A Paixão de Cristo, de Mel Gibson (ao qual VP foi dos primeiros órgãos de comunicação a fazer referência - VP 30 de Julho de 2003) em Roma, membros da Secretaria de Estado Vaticano, do Conselho Pontifício para as Comunicações Sociais e da Congregação para a Doutrina da Fé expressaram sua aprovação à obra realizada por Gibson. Sem violência gratuita nem rastro de anti-semitismo (como alguns chegaram a acusar), com A Paixão de Cristo Mel Gibson oferece uma produção "de sensibilidade artística e religiosa", como afirma o dominicano Augustine Di Noia, subsecretário da Congregação para a Doutrina da Fé, que assegura que "qualquer um vendo esse filme, crente ou não, se verá obrigado a confrontar-se com o mistério central da paixão de Cristo, de facto, do próprio cristianismo".
Não se trata de um trabalho de documentário, mas de "imaginação artística", que segue o Novo Testamento, e incorpora elementos da Paixão de Mateus, Marcos, Lucas e João, mantendo-se fiel à estrutura fundamental comum aos quatro relatos", confirma o padre Di Noia, que aprecia a interpretação de Jim Caviezel e Maia Morgenstern. "Caviezel comunica convincente e eficazmente que Cristo sofre a sua paixão e morte por vontade própria, em obediência ao Pai, para satisfazer a desobediência do pecado" e salienta que a interpretação de Maria por Maia Morgenstern, "é igualmente poderosa".
O mesmo sacerdote opina que o filme "não é tão violento como brutal". O tratamento brutal por parte dos soldados não surge como violência gratuita, e Gibson é influenciado pela representação dos sofrimentos de Cristo na pintura ocidental, o que o situa no campo da representação artística da violência: "O corpo arruinado de Cristo deve ser contemplado com os olhos do profeta Isaías, que descreve o Servo Sofredor tão ferido que está irreconhecível", e " a desfiguração do corpo de Cristo representa a desfiguração espiritual e a desordem causada pelo pecado".
Elementos distintivos e a questão da "culpa"
A versão da Paixão apresenta três aspectos originais: a representação do demónio, como presença ameaçadora; a solidão de Cristo mesmo rodeado pela multidão; a representação da Última Ceia através de cenas retrospectivas intercaladas na acção do filme, que representam o significado sacrificial e eucarístico do Calvário. "Estamos perante uma poderosa sensibilidade católica, já que na recente encíclica sobre a Eucaristia, João Paulo II afirma que Cristo estabeleceu o memorial de sua paixão e morte antes de sofrê-la, em antecipação do actual sacrifício da Cruz . Para muitos católicos que virem estas imagens, a Missa nunca mais será a mesma".
Será que no filme de Gibson se culpa a alguém pelo que ocorreu com Cristo? Do ponto de vista dramático, "cada um dos personagens contribui de alguma forma ao destino de Jesus": Judas trai, o Sinédrio acusa, os discípulos abandonam, Pedro nega, Herodes joga com Ele, Pilados deixa que seja condenado, a multidão o zomba, os soldados romanos açoitam e crucificam e o demónio está detrás de toda acção.
Nenhuma pessoa ou grupo, isolado dos demais, é culpado: todos o são em conjunto, o que mostra que o autor representou de forma eficaz este elemento crucial na compreensão cristã da paixão e morte de Cristo: todos somos culpados. Os pecados da humanidade levam Cristo à cruz, que Ele aceita voluntariamente. Por isso, "não há absolutamente nada de anti-semitismo ou anti-judaísmo no filme de Mel Gibson". "O filme nem exagera nem minimiza o papel das autoridades judaicas e os processos legais na condenação de Jesus, entendendo que "é mais provável que sufoque o anti-semitismo nos espectadores, não que o provoque". Mais: o filme comunica algo que os evangelistas e a Igreja sempre viram claro: o que Cristo experimenta desde o Getsémani ao Gólgota, seria completamente ininteligível isolado da aliança de Deus com Israel. (Informação: Agências Zenit e Catolicanet)