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Talvez a palavra caridade seja, de todos os conceitos da originalidade cristã, aquele que tem sido mais vilipendiado na nossa cultura. O que era atitude e convicção transformou-se em exibição exterior de acções direccionadas para a consideração social e para a satisfação própria daqueles que detêm os meios económicos. A caridade tornou-se uma espécie de subterfúgio da pretensão de fabricar uma boa consciência.
Nada mais distante do sentido evangélico da caridade. A caridade evangélica deveria ser a raíz e a envolvência de todo o universo humano. Nascida do próprio dom de Deus, devia inspirar profundas vivências interiores e as relações entre as pessoas, e tornar-se uma espécie de envolvimento cósmico, tal como o bem entendeu S. Paulo no hino que lhe dedicou na Carta aos Coríntios: se eu não possuir a caridade, nada me aproveita. A caridade é assim a mais profunda envolvência e o mais lúcido expoente do humano.
Quando institui um dia da Cáritas (adaptação portuguesa da forma latina que traduz o lexema original grego), a Igreja situou-se nos domínios de uma das dimensões da caridade: a dimensão assistencial e de entre-ajuda, o que também se costuma traduzir ppelo nome de pastoral sócio-caritativa.
Ao longo dos séculos, muitas foram as inicitaivas pelas quais se procurou obviar às necessidades prementes das populações, inspiradas no espírito evangélico: muitas ordens religiosas, as misericórdias (na sua versão e nos seus princípios genuínos e originais), as conferências de S. Vicente de Paulo, criadas por um homem leigo, Frederico Ozanam, que as quis sempre entender não apenas como obras assistenciais, mas como formas de exigência cristã dos seus membros.
Modernamente, porém, importa encontrar novas formas de caridade, sem esquecer a assistencial. A mais importante forma do seu exercício situa-se em dois campos: os projectos sociais e políticos, por um lado; e aquilo a que eles devem conduzir, a saber as leis dos países.
Ao julgar e ao escolher um projecto político, parece que os cristãos devem também ter no horizonte aquele que, pelos seus princípios e pelas suas práticas possa conduzir a uma mais justa repartição das riquezas, sabendo que as riquezas não são exclusivas dos seus proprietários, mas possuem sempre uma finalidade social. Estamos mentalmente longe do capitalismo selvagem e todo-poderoso; porém, estamos egoistamente perto de propostas em que o liberalismo económico acaba por permitir a desenfreada exploração do trabalho.
Por isso, as novas formas de caridade passam também pelas opções e pelas acções políticas e económicas. Pelo louvor dos empresários que cumprem os seus deveres sociais e investem os lucros na criação de riqueza e de trabalho; e na denúncia, caridosa, e por isso veemente, dos que se inquietam mais com a exploração do que com a produção.