M. C. F.
Realizaram-se, com os resultados conhecidos, e de que damos resumo neste número, as eleições para as autarquias, expressão do chamado poder local.
Entende-se que o poder local deve constituir um óbvio serviço às populações: todos o entendem, todos o defendem. Por isso espanta o afã insistente e persistente, frequentemente ilusório e quase violento com que os candidatos se pretendem impor à escolha da população. Parece que estamos num processo distorcido: quando devia ser a populações a propor os candidatos que reconhecem possuírem as melhores condições de serviço público, são os candidatos que se querem impor às populações para lhes fazer crer isso mesmo: que são os mais eficazes para o efeito.
Dizem-nos que é esse o processo da prática democrática. Será? Quanto dinheiro do povo se gasta para fazer crer ao povo quais são os melhores candidatos partidários? Quantas palavras e quantas promessas ou mentiras são lançadas ao vento em tão inglória tarefa?
De facto, a lógica da democracia deveria ser a de que as populações procurassem aqueles que melhor realizam o serviço público. Mas são os que pretendem usar o serviço público que se impõem às populações.
Um outro aspecto, ao menos este ano, agitou não digo o país, mas os media: o aparecimento de candidatos envolvidos em processos judiciais e rejeitados pelos partidos a que pertencem. Três deles ganharam as eleições. O que nos faz pensar: será que a população é indiferente à fraude ou à suposição ou possibilidade que ela exista? Será que a população acredita na inocência dos arguidos, ou ao menos segue o princípio de que todo o cidadão se supões inocente até que seja condenado em juízo? O povo, que tantas vezes condena inocentes, inocentiza eventuais culpados? Ou será que estamos já todos tão insensíveis que preferimos seguir as simpatias pessoais ou mediáticas à estrita racionalidade das coisas? Ou será ainda que essa é uma forma subtil de insurreição contra a ditadura dos partidos políticos que pretendem dominar todos os centros de decisões?
São questões pertinentes, que nos deixam perplexos.
Neste ponto, como em muitos outros, importa que se procure nas palavras da Escritura, tantas vezes esquecidas nestas circunstâncias da vida civil (e essa é a fonte de muitos erros que cometemos, que comete a ambição e o desejo do poder) para recordar aos eleitos, que dominam os meios de comunicação com as suas propostas e as suas quezílias, que o poder apenas se justifica quando e se transformado em serviço do bem comum: Quem quiser ser grande entre vós, faça-se vosso servo, e quem quiser ser o primeiro entre vós, faça-se o servo de todos (Mc 10).
Mas isto de considerar o poder como um serviço público é coisa contraditória: todos o proclamam, mas poucos o praticam.