O amor gratuito de Deus vence o pecado!
1. Evangelho: «São-lhe perdoados os seus muitos pecados, porque muito amou»
A unção de Jesus pela pecadora faz lembrar a unção em Betânia referida nos outros sinópticos (Mc 14,3-9; Mt 26,6-13) como prefiguração e anúncio da paixão e morte de Jesus. Em Lucas, o episódio centra-se no perdão e na conversão, sublinhando um dos aspectos típicos do evangelista: a misericórdia de Jesus para com os pecadores (cf. Lc 15; 19,1-10; 13, 40-43).
O encontro da pecadora com Jesus, parece confirmar a acusação que lhe fora feita, de ser «amigo dos cobradores de impostos e dos pecadores» (Lc 7,34). Só que sua proximidade aos pecadores não acontece pelas veredas do contágio, mas pelo caminho do perdão e da salvação que lhes oferece.
O arrependimento, o perdão dos pecados e a salvação chegam a uma das classes mais marginalizadas de então: trata-se de uma mulher e ainda por cima pecadora. A transformação que lhe é oferecida por Jesus origina um conjunto de manifestações de afecto reveladoras do seu amor a Jesus e da sua fé em Deus: o choro, o lavar dos pés, os beijos, a unção com perfume. Por vezes, interpreta-se este encontro, vendo a mulher como uma penitente que se aproxima de Jesus e ganha o perdão, somando gestos de amor. Estes seriam condição para o perdão. Todavia, não parece ser este o significado da expressão «são-lhe perdoados os seus muitos pecados porque muito amou», visto que não se harmoniza nem com o sentido da parábola dos devedores - o amor não é condição, mas consequência do perdão das dívidas -, nem com a expressão seguinte: «aquele a quem pouco se perdoa, pouco ama». Os gestos de amor da pecadora não são a razão pela qual existe o perdão, mas antes a sua manifestação. Segundo esta leitura, ela encontra-se com Jesus depois de ter experimentado o perdão gratuito de Deus e porque quer exprimir com sinais externos o seu amor e a sua gratidão.
O fariseu Simão não parece, por seu lado, capaz de compreender a misericórdia divina. Encontra-se entre aqueles a quem pouco se perdoa (cf. Lc 7,47), os justos a quem Jesus não veio chamar (cf. Lc 5,32). Ele não percebe o dom gratuito da misericórdia que Jesus anuncia e realiza, e por isso julga impressioná-l'O com a sua hospitalidade mesquinha. O perdão de Deus não se troca por amor. É dado sem condições e sem reservas. A fé da mulher percebeu-o e salvou-a.
O sumário, tipicamente lucano, que encerra o texto na sua forma longa (cf. Lc 8,1-3), sintetiza uma viagem missionária de Jesus na Galileia, acompanhado pelos discípulos e por algumas mulheres que tinham sido curadas. Aquele que estende a sua salvação a uma mulher pecadora, não hesita em integrar várias mulheres no horizonte da missão, prefigurando o papel delas na crucifixão (cf. Lc 23,49), aquando da ressurreição (cf. Lc 24,10) e na primeira célula da comunidade primitiva que aguardava o Espírito (cf. Act 1,14).
2. Profeta: «O Senhor perdoou o teu pecado. Não morrerás»
O rei David tinha cometido adultério com Betsabé, esposa de Urias. Não podendo atribuir a Urias a paternidade do filho gerado nesse adultério, congeminara também a morte do marido, expondo-o na frente de batalha. Assim, sobre David pesava a culpa do adultério com Betsabé e do assassinato de Urias, para lá de uma trama de mentiras (cf. 2 Sam 11).
O profeta Natã, depois ter induzido David a pronunciar uma sentença condenatória sobre si próprio (ver parábola da ovelha do pobre: 2 Sam 12, 1-6), dirige-lhe as palavras com que se inicia esta perícope: enumera-lhe os dons que Deus lhe concedera; interroga-o sobre o sentido do seu pecado; formula a sentença condenatória de Deus sobre David.
Diante da palavra profética, David reconhece o seu pecado, arrepende-se e é imediatamente perdoado. Note-se, porém, que este «perdão da culpa» não exime o rei arrependido das penas inerentes à desordem que o seu agir perverso desencadeou e que, mesmo depois do perdão, continua a requerer expiação e reparação.
3. Apóstolo: «Não sou eu que vivo: é Cristo que vive em mim»
O contexto desta passagem da carta aos Gálatas é a doutrina da justificação (salvação) não em virtude das obras prescritas na Lei judaica, mas pela fé em Jesus Cristo. Deus não fica a dever a salvação ao homem que cumpre escrupulosamente a Lei e que, desse modo, se salvaria a si mesmo.
A justificação faz-nos morrer com Cristo e dá-nos a sua vida. Admitir outros caminhos de salvação seria afirmar que Cristo morreu em vão. A salvação é sempre dom gratuito de Deus que salva em razão da fé em Cristo e da comunhão com o seu mistério pascal.
É a comunhão com Cristo, Filho de Deus, e com o seu mistério pascal que define a identidade e o percurso do apóstolo. De agora em diante, não está diante dele a Lei que lhe obriga a vontade, mas Cristo que o ama, que por ele morreu e que lhe concede o dom da fé. Esta relação de alteridade foi aliás superada pela graça do amor de Deus ao ponto da condição do homem pecador («dependente de uma natureza carnal») ir dando no apóstolo lugar à vida de Cristo glorioso («é Cristo que vive em mim»).