[ Cultura ]



    Antero de Figueiredo, escritor injustamente esquecido

    Alexandrino Brochado


    Nas minhas insónias repetitivas e incómodas, perpassam-me pela ideia os mais variados temas, casos e apontamentos da vida de várias personalidades. Nesta linha de ideias, desta vez resolvi dizer alguma coisa sobre um escritor que muito admiro e aprecio. Antero de Figueiredo.
    Antero de Figueiredo não será, por certo, um grande romancista. Mas é, incontestavelmente um bom estilista, que manejou a língua portuguesa como ninguém. Reporto-me aos primeiros anos da minha vida cultural. Houve um sem número de contactos que, gostosa mente, tive com o escritor e que foram incentivados pelo então Bispo do Porto, D. Agostinho de Jesus e Sousa. O Senhor Bispo do Porto, que eu secretariava, era pouco atreito a visitas pessoais. Mas, nesta maneira de ser, havia uma excepção: D. Agostinho era sinceramente amigo e admirador de Antero de Figueiredo, o que era um privilégio de poucas pessoas. Várias vezes se deslocava a casa do escritor, na Rua de Diu, na Foz do Douro. Recordo-me ainda dos momentos agradabilíssimos que passei com o Senhor Bispo numa visita ao escritor, num dia de Reis.
    Antero de Figueiredo tinha uma conversa atraente e até, por vezes, rebuscada. Ouvia-se com verdadeiro prazer.
    A partir da publicação de "Senhora do Amparo", Antero de Figueiredo imprimiu uma orientação nova à sua vida literária. O descrente e agnóstico deu lugar ao católico fervoroso e convicto. Não o escondia. Esta adesão à verdade católica progride e acentua-se nas obras seguintes que publicou: o "Último Olhar de Jesus", com a mais subtil sublimação artística, "Pessoas de Bem", "Fátima", "Amor Supremo", "Non Sum Dignus". Para todas estas obras Antero de Figueiredo realizava várias e demoradas observações de casos e tipos, ou leituras eruditas que depois combinava à sua maneira. Teve o requinte da linguagem, da sobriedade e do purismo.
    Em obras como "Jornadas em Portugal", "Miradouro", "Pessoas de Bem" em que a força do mais puro ruralismo, se apresenta com a maior relevância, Antero de Figueiredo atinge os cumes da verdadeira beleza e saudável sabor à terra que o viu nascer. Nos seus escritos valeu-se mais da sinfonia da luz e das cores que de elucubrações mentais, preferindo subir pelo seu pé de sentimental nato, à esfera inefável do divino. A leitura da obra de Antero de Figueiredo foi para mim, jovem apreciador da arte de escrever, o maior prazer que me foi dado usufruir e que fez com que soubesse de cor e salteado o seu conteúdo literário. Dava prazer, imenso prazer, ler as suas obras de puro cultor da língua portuguesa. O prazer do espírito nunca cansa o homem. Os outros prazeres, mesmo os mais aliciantes que se fundamentam na matéria e só na matéria, bem depressa cansam o homem.
    Entre os livros de Antero de Figueiredo permitam-me destacar o "Non Sum Dignus". Porquê? Já o digo. Nesta obra, Antero de Figueiredo ousou (é o termo) abordar o delicado problema da pedagogia reinante nos nossos seminários e que estava profundamente ultrapassada. Nesta obra, Antero de Figueiredo atacou, a meu ver bem, os processos super-arcaicos duma pedagogia ultrapassada, por vezes com ressaibo de falta de humanidade e de bom senso. O Senhor Bispo, que eu assessorava, reagiu muito mal. As reitorias dos seminários também reagiram mal. Mas a semente foi lançada à terra e frutificou. Várias coisas que existiam e não deviam existir, desapareceram. Ainda bem. Mesmo na orgânica da Igreja os seus servidores e os seus dirigentes às vezes alheiam-se do verdadeiro progresso.
    Outro aspecto curioso que me apraz registar é o seguinte: Antero de Figueiredo não simpatizava nada, mesmo nada, com a política do chamado Estado Novo. Guardo com muito cuidado um acervo de cartas do escritor em que ele classifica Salazar de político antipático e ‘friinho’ que não sabia aproximar-se do Povo. Estas cartas, hoje, para certas camadas políticas, teriam o sabor de um maná apetitoso.