O Senhor ressuscitou, Aleluia!
Evangelho: Viu e acreditou
O Evangelho do dia (pode proclamar-se o da Vigília; nas Missas da tarde pode escolher-se o dos discípulos de Emaús) apresenta-nos a ressurreição de Jesus segundo S. João como um itinerário que vai até ao sepulcro, começa no escuro e termina na luz da fé.
O trecho evangélico gira em torno da «compreensão das Escrituras» como critério de abordagem e de reconhecimento da ressurreição de Jesus. Na verdade, a ressurreição compreende-se não tanto a partir do sepulcro vazio ou das aparições de Jesus (ainda que ambos os factos sejam da máxima importância, porquanto demonstram que o testemunho dos apóstolos não é uma alucinação), mas a partir do conhecimento do agir de Deus ao longo da história da salvação: o sepulcro vazio pode enganar («Levaram o corpo do Senhor e não sabemos onde o puseram»...), podem enganar também as aparições (Maria da Magdala confunde Jesus Ressuscitado com o guarda do jardim; os discípulos de Emaús não o reconhecem; os Apóstolos duvidam), mas a Palavra de Deus não engana.
O Evangelista não relata a ressurreição nem a descreve, porque se trata de um acontecimento inenarrável e indescritível, irredutível ao nível dos fenómenos «do nosso mundo». E contudo, permite-nos assistir ao irromper da presença do Ressuscitado na vida da Igreja. Esta presença, para já, é percebida sob a forma de ausência, através de sinais (pedra rolada, sepulcro vazio, ligaduras e sudário abandonados...) que só à luz da fé, instruída pelo testemunho das Escrituras («ainda não tinham entendido a Escritura...»), se tornam «transparentes» em relação à realidade para que apontam: a Ressurreição de Jesus.
Daí a insistência nos verbos «ver» e «crer», tão típica do quarto Evangelho. «Ver» indica o conhecimento profundo desta história da Salvação que só se colhe em plenitude à luz da ressurreição de Jesus «segundo as Escrituras»; «crer» é o verbo da fé que leva o homem a superar o terror da morte ao tomar consciência de que o que Deus operou em Jesus também se realizará na sua existência.
Actos: Deus ressuscitou-O ao terceiro dia
Segunda a tradição litúrgica, no tempo pascal a leitura do Antigo Testamento é substituída pela dos Actos dos Apóstolos: a novidade inaugurada pela Ressurreição de Cristo é o conteúdo definitivo da história e da profecia.
O trecho dos Actos escolhido para o dia de Páscoa repropõe o primeiro anúncio do Evangelho (kerygma) ao centurião Cornélio e sua família: os primeiros pagãos a acolher a mensagem cristã. É um dos «discursos de Pedro» com os quais o autor dos Actos apresenta uma catequese essencial sobre Jesus, seguindo um plano que também está na base da redacção dos Evangelhos escritos.
Em primeiro lugar, afirma-se a historicidade de Jesus, cujo ministério é bem situado cronológica e geograficamente. Num segundo momento afirma-se a especial relação que Jesus tem com Deus e sublinha-se também a obra de Jesus em favor do homem. Finalmente é feito o anúncio da ressurreição de Jesus e a proclamação da entronização messiânica do Crucificado-Ressuscitado.
Este «pregão», credenciado pelos anúncios dos profetas e certificado pelo testemunho apostólico, tem como objectivo suscitar a resposta da fé e da conversão, que culmina no Baptismo.
Col.: Ressuscitastes com Cristo
A Páscoa de Jesus coloca o cristão num horizonte completamente novo, que as cartas de Paulo gostam de traduzir com os modos verbais do indicativo e do imperativo. Os verbos no indicativo exprimem a nova condição de vida em que o cristão agora se encontra e que é pura obra de Deus, dom recebido gratuitamente no Baptismo («Vós morrestes e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus»); os verbos no imperativo indicam o caminho quotidiano de crente, o seu esforço para permanecer na novidade de vida da Páscoa, a sua tensão quotidiana para o ideal de vida traçado pela ressurreição de Jesus e acolhido no Baptismo.
Daí deriva um estilo de «vida pascal» que já de algum modo antecipa a condição futura. No tempo presente, porém, essa é uma verdade a viver ainda na fé, na esperança e no amor, porquanto escondida e germinal, em tensão e caminho para a plenitude da sua realização e manifestação.
1 Cor.: Celebremos a festa sem fermento...
Como alternativa para a 2ª leitura, pode escolher-se esta pequena «homilia pascal» que Paulo inseriu na sua 1ª carta aos Coríntios, escrita talvez na proximidade da Páscoa do ano 57. Paulo faz uma releitura cristã dos dois rituais típicos da Páscoa judaica: o do cordeiro e o dos ázimos. Segundo um costume hebraico que ainda perdura, na preparação da Páscoa fazia-se uma inspecção e limpeza completa da casa, procurando remover qualquer vestígio de fermento (símbolo de velhice, corrupção e impureza): o pão pascal devia ser inteiramente ázimo. À novidade da Páscoa cristã não pode corresponder um esforço menor de purificação.
Note-se também aqui a correspondência entre o indicativo («vós sois ázimos») e o imperativo («celebremos a festa sem fermento...»): a novidade da condição cristã não dispensa um renovado e permanente compromisso moral.