C. F.
Já não se pode ver, nem ouvir, nem ler coisa que se veja sem que nos surjam pela frente as faustosas crónica, insinuações e intrigas do chamado apito dourado. Para cúmulo do azar, o apito dourado que andava subrepticiamente obnubilado, ressurgiu em força nos tempos maios recentes e arrastou consigo mais duas formas miméticas de si mesmo: o apito morgado e o apito salgado. Conjugando harmoniosamente ou ruidosamente os três apitos, fica o cidadão literalmente cilindrado pelas invulgares capacidades que temos de ser entretidos pela banalidade social.
Não deixa de ser dado significativo das nossas concepções culturais da superficialidade que a comunicação social do país inteiro, de qualquer tendência que seja, pública ou privada, séria ou jocosa, abra telejornais e dedique metade do tempo que lhes é destinado a coscuvilhar intelectualmente, juridicamente, eticamente, sociologicamente sobre um tão saboroso tema.
De facto, a comunicação social vive do efémero, da dramatização do quotidiano, das episódios mais ou menos pícaros ou chocantes. Por isso quando um desses episódios com potencialidades de negócio põe a cabeça fora dos cobertores, assestam-se para ele todas as máquinas e todos os microfones. Dá-se-lhes um tom de extrema, profunda, atenciosa seriedade, como quem está a desenvencilhar a grande novelo da corrupção social. Se meter pelo meio alguns pormenores mais picantes da vida íntima das grandes personagens sociais, os grandes senhores desse pequeno mundo das intrigas mediáticas, então fica a receita completa e o êxito é pleno. Forjam-se sucessos editoriais, e prometem-se novos episódios. Mantém-se assim a chama acesa da curiosidade e amadurece-se o vinho da intriga.
É a característica do nosso tempo: viver do sensacionalista e do efémero. Ainda que o efémero se esqueça em pouco tempo, ele voltará ciclicamente, como as andorinhas na primavera. Há sempre olhos curiosos à espreita. Entretanto vão ficando na penumbra os grandes dramas sociais e humanos. Pouco valem eles quando se alevantam os valores do efémero.