[ Especial ]



    Ilogismo desconcertante

     Alexandrino Brochado


    Por ironia das coisas e ilogismo desconcertante, o progresso e a industrialização parecem ser uma ameaça ao cristianismo, quando deveria ser precisamente o contrário. Desta forma, as chamadas classes fortes (intelectuais e operários) não escondem uma certa animosidade contra a doutrina cristã, atirando arrogantemente a Igreja para um reduto de defesa, encarniçada por vezes. E assim, o ateísmo parece estar a expandir-se. Desde o ateísmo vulgar baseado em preconceitos, até ao ateísmo humanista, sem dúvida o mais sério, passando pelo ateísmo prático, o mais generalizado, em todas estas formas encontramos um denominador comum: é preciso que Deus não exista para que o homem possa existir. O ateísmo humanista reveste-se de várias formas aparecendo, em primeiro e grande plano, o chamado ateísmo científico. A ciência, diz, dá-nos uma explicação total do homem. Na esteira desta fórmula ateísta caminham de mãos dadas, como bons amigos, o ateísmo marxista, o ateísmo freudiano, o ateísmo de Nietzsche e o ateísmo existencialista. Marx, Freud, Nietzsche e Sartre surgem assim como grandes construtores da morte de Deus.
    E quais as razões mais poderosas desta expansão e agressividade do ateísmo? Para além das razões clássicas e estratificadas do ateísmo, há que procurar outras. O surto científico que o mundo atravessa deu uma confiança tal ao homem que o leva a uma dessacralização progressiva, a uma temporalização sistemática. O sentido do sagrado desenraizou-se da alma humana e dificilmente é aceite. O sentido do mistério perde-se paulatinamente e o homem vai ignorando cada vez mais as suas limitações (tantas e tão grandes). O homem do nosso tempo confiadamente espera encontrar no progresso e na técnica a solução mágica que lhe resolva todos os enigmas e mistérios. A programação substitui Deus.
    E não estará a exercer forte influência na expansão do ateísmo a falsa ideia de Deus que muitos crentes apresentam? É certo que no passado a deformação de Deus não impressionava tanto. Mas hoje não. São tempos de contestação. A ideia que alguns sábios como Marx, Nietzsche, Sartre, Russell e tantos outros formam de Deus não se harmoniza com a realidade que Ele é mas, baseia-se naquilo que por eles foi observado e vivido.
    Não serão muitos crentes os responsáveis, em última análise, pelo movimento da morte de Deus? Não pretendem muitos impor a Deus uma face desagradável e nada aceitável? Não raro mantém-se a ideia jupiteriana dum Deus vingador, totalitário, a exigir que o homem se prostre diante dele, esmagando-se. Um Deus sempre atento a todas as falhas humanas, sempre com sentenças infernais a cair-lhe dos lábios, Senhor omnipotente do raio e do trovão. Ou então um Deus indiferente aos sofrimentos humanos ou que até se compraz em ver o homem sofrer, um Deus que pretenderá o homem ignorante, subdesenvolvido. E que dizer da ideia utilitária dum Deus que se invoca apenas para desatar o nó górdio de certas situações desesperadas ou para solucionar casos difíceis, pelo milagre? Todas estas deformações de Deus podem conduzir ao ateísmo. Pensemos que a felicidade do homem, cansado de sofrer, não está nem pode estar na morte de Deus, mas sim no regresso a Deus.