[ Eclesial ]



    A Fé dos Simples

    O santo que não ia à missa


    Causou uma sensação muito estranha, entre os fiéis, o que foi dito no funeral de um homem que muito raramente entrava na igreja da terra: “Este nosso irmão era verdadeiramente um santo”. Em boa verdade, o Luís era uma pessoa impecável, com qualidades humanas invulgares. Porém, dizer que era santo, parecia francamente exagerado.
    Nascera ali na terra, filho de um dos maiores lavradores da região. Ainda criança, foi estudar para uma cidade distante. Vinha à aldeia passar as férias, mas era pouco visto. Passava os dias a ler ou a correr pelos campos. As pessoas que com ele andaram na escola primária lembravam-se dele como uma criança dócil, muito calma. Depois de adulto, durante muitos anos não voltou à aldeia. Os seus pais diziam que ele estava no estrangeiro, numa ilustre universidade onde era professor.
    Teria 60 anos quando regressou definitivamente. Os pais já muito velhinhos morreram pouco tempo depois. Contrariamente ao que muitos pensavam, depois da morte dos pais, começou por recuperar e dotar de boas condições as casas dos seus rendeiros e, só depois, a casa que herdara para si. Dono de uma grande propriedade, no tempo das colheitas só aceitavam o pagamento das rendas de harmonia com as posses dos rendeiros. Era frequente, aqueles que tinham muitos filhos recebiam muito mais do que tinham colhido.
    Por indicação dos professores da aldeia, começou a dar oportunidade de continuar a estudar a alguns dos filhos dos rendeiros e a outras crianças. Por influência sua, o Município dotou a aldeia duma Casa do Povo. Através desta instituição, os lavradores compravam as sementes em melhores condições e, uma vez por mês, podiam consultar gratuitamente o médico.
    Fez-se sócio duma empresa de autocarros e, a partir daí, a população passou a ter carreiras diárias para a sede do concelho e duas vezes por semana para a sede do distrito.
    Discretamente, foi o grande motor do desenvolvimento daquela aldeia. Em determinado momento, comprou uma máquina para debulhar o milho que emprestava a todos os lavradores. Mais tarde comprou um tractor.
    Uma das fontes de rendimento dos rendeiros era a criação de gado. Mas, o investimento para uma vaca ou uma junta de bois estava ao alcance de poucos. O Luís emprestava dinheiro sem juros a todos quantos lhe iam bater à porta. Não havia papéis. Confiava nas pessoas. Quando iam fazer contas, nunca sabia quanto tinha emprestado.
    As suas empregadas domésticas falavam dele como pessoa que falava o dispensável, sempre ocupado com os seus livros, mas sempre muito solícito quando lhe pediam alguma coisa. Nunca as deixava trabalhar para além das horas contratadas. Pagava sempre mais alguma coisa do que estava combinado.
    No entanto, este homem justo, fraterno, raramente era visto na igreja. Um dia, confessou que Deus lhe dera muitas qualidades humanas, mas nunca o dom da fé, considerado em termos tradicionais. Mas as suas obras revelavam uma vida impecável. Por isso era santo.

    António Jesus Cunha