[ Especial ]



    Profissão e vocação

    Fátima Malça


    É enfermeira e trabalha nos serviços de urgência de um hospital de renome no país. Franzina, mas muito ágil e eficiente no desempenho da sua profissão a todos procura acolher com gestos de ternura e um olhar quente de compaixão. Sem se lamentar do excesso de trabalho e dos inúmeros obstáculos que vão salpicando o seu quotidiano, não se tem poupado a esforços para atenuar a ansiedade e a dor dos outros.
    Invariavelmente, a mesma voz doce que não se mostra molestada pela incomodidade involuntariamente causada por aqueles que dela precisam em horas de indescritível angústia. Mais parece um anjo consolador a deambular pelos longos corredores do sofrimento!... E não se julgue que esse seu jeito é resultante de ter sido dotada de temperamento suave ou da ausência de problemas pessoais. Conheço-a bem e sei que nunca as dificuldades a subjugaram e venceram, transportando o seu peso em silêncio para poupar outros ao desconforto e ao desgaste que elas provocam. Sei também que a sua postura radica num forte esteio espiritual, evangelizando, deste modo, o mundo misterioso do sofrimento em que se encontra inserida.
    São frequentes as queixas por parte dos utentes dos estabelecimentos hospitalares. E uma das causas da deficiente prestação de serviços reside certamente na falta de vocação para o exercício da profissão. A maior parte das vezes, escolhe-se a profissão não porque se sinta uma especial aptidão para o seu competente desempenho mas por falta de alternativa possível. E, nesta opção, os factores determinantes da escolha da carreira profissional são a vertente económica e a promoção social e não a realização pessoal com o respectivo acervo de qualidades inerentes.
    Quando não existe outro substrato a nortear a não ser este, que admira que o mau humor, a insensibilidade, o desinteresse e até a agressividade, que muitos lamentam e de que tantos utentes se queixam, transpareçam no rosot anuviado de alguns profissionais de saúde?! Não podemos ignorar que também eles são vulneráveis ao cansaço e ao desgaste físico que o seu trabalho inevitavelmente acarreta, mas há que fazer um esforço suplementar e mesmo até sobre-humano para que ao doente seja levado um sorriso de esperança que ilumine a sua noite escura e ele possa sentir o afago da mão que o aconchegue no seu leito de dor. Mas tudo isto só terá plena realização se toda a actuaçao provier de uma intensa espiritualidade. A verdadeira qualidade de vida brota de uma espiritualidade de qualidade, como muito bem advertiu D. António Marto, aquando da sua recente tomada de posse da diocese de Viseu.
    O caso que acabo de relatar é testemunho bem eloquente de que é possível viver este entusiasmante desafio.