Este Homem era Filho de Deus!
1.ª Leitura (Is 50, 4-7): "Confissão" do Servo do Senhor
É parte do 3.º poema relativo ao "Servo de Yahweh". Depois de começos esperançosos (v. 42) e das primeiras dificuldades (v. 49), chegou a hora da perseguição aberta. O Servo confessa a sua fidelidade activa à Palavra do Senhor, que escuta para poder confortar os seus companheiros desalentados. Serão as dificuldades experimentadas pelos Repatriados de Babilónia, após os primeiros tempos de entusiasmo? Pela sua docilidade às ordens divinas, o Servo começou a sofrer humilhações e maus tratos, naturalmente das autoridades pagãs ou pactuantes com o dominador pagão... Porém, mantém-se firme na sua tarefa, e confia que o Senhor fará justiça (vv. ss). Figura misteriosa, a deste Servo, pois nos falta a sua referência histórica. Uns pensam em Zorobabel, condutor dos Repatriados, em quem se concretizaram, momentaneamente, as esperanças messiânicas (cf. Ageu 2, 20-24) e que desapareceu misteriosamente, o que deixa supor algo de dramático. Outros apontam Jeremias em cujas "confissões" ecoa idêntico drama. Mas o Servo de Yahweh continuou "vivo" no Texto sagrado, como que à espera de quem o realizasse... Para a tradição judaica poderemos estar perante a personificação de um colectivo: o povo de Israel e o seu histórico "martírio"... A leitura cristã não hesita: é Jesus o Servo do Senhor anunciado. De facto, a figura do Servo é a sua referência mais directa.
Evangelho (Mc 14, 1-15, 47): Paixão de Jesus segundo Marcos
A leitura da paixão de Jesus segundo Marcos começa com 2 ceias: a de Betânia (14, 3-9) e a da Páscoa (14, 22-24). Na primeira a unção, sinal do reconhecimento messiânico, é relacionada por Jesus com a sua morte e sepultura; na ceia pascal, o próprio Jesus aceita livremente a sua morte como sacrifício para a nossa salvação. O Evangelista envolve estas duas refeições com a notícia da conspiração do Sinédrio (vv. 1-2.10-11)e do suborno de Judas e com o anúncio da negação de Pedro. Jesus é o Messias da cruz, que morre para a nossa salvação, não obstante as recusas, traições e abandonos. Com a prisão, Jesus é abandonado por todos os discípulos, que fogem apavorados. O pormenor do jovem que foge nu parece simbolizar a atitude dos que até então seguiam Jesus, mas sem compreender o seu mistério. A pergunta sobre a verdadeira identidade de Jesus que foi o fio condutor de todo o Evangelho - "Quem é este?!" - começa finalmente a ter uma resposta definitiva: a cruz dirá, verdadeiramente, quem é Ele. Durante o processo, Jesus assume pela primeira vez publicamente a sua identidade de Filho de Deus. A esta revelação, porém, choca com a recusa do Sinédrio que o condena e a negação de Pedro...
Com a crucifixão e morte de Jesus, o relato de São Marcos atinge o momento culminante: agora, sim, é possível reconhecer quem é Jesus, agora é possível a fé. Será o centurião romano o primeiro a reconhecer que o Crucificado é o Filho de Deus.
2. ª Leitura (Fl 2, 6-11): o Hino a Cristo, Servo de Deus
Os crentes da Idade apostólica cantavam assim a sua fé no Mistério pascal do Salvador, na Liturgia baptismal ou/e eucarística. Com este hino São Paulo alerta os seus cristãos contra o vedetismo, a vanglória e a rivalidade que punham em perigo a união da Comunidade.
Temos o contraste entre a "forma de Deus", que se refere à divindade de Cristo, e a "forma de servo" que se refere à sua humanidade concreta. A 1.ª parte do Hino descreve o abaixamento de Cristo até ao último grau da condição de "escravo" (a cruz era o suplício dos escravos!) O sujeito dos verbos é Cristo: Ele é que escolheu deliberadamente o destino do Servo! A 2ª parte descreve a sua exaltação progressiva, até à proclamação do seu Senhorio universal. Agora, é Deus o sujeito dos verbos: Ele é que exalta o Seu Cristo que se humilhou.
Paulo deve pensar no Servo do Senhor segundo Isaías e considera a Pessoa histórica de Jesus (e não o Filho de Deus na sua preexistência eterna). Em contraste com Adão, simples homem, que tentou apropriar-se da glória e dos privilégios que pertenciam exclusivamente a Deus (Gn 3), Cristo, longe de reivindicar a glória a que tinha direito como Deus, renunciou a ela deliberadamente, escolhendo abaixar-se, e até que ponto! Por isso, foi exaltado soberanamente, ao passo que Adão foi "precipitado" da sua condição original.
Cristo aniquilou-se (literalmente, "esvaziou-se"): não quer dizer que renunciou à Sua Natureza divina - coisa impensável! - mas não quis usar dos privilégios que essa Natureza valeria à sua Humanidade. Escolheu privar-se deles, para os receber do Pai, como fruto da Sua obediência pascal. Assim, a humildade de Jesus é o melhor apelo aos fiéis para viverem integralmente o Mistério pascal do seu Senhor.