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    A Capital da Cultura: a meio da encosta


    Passaram-se os primeiros seis meses do evento mais referenciado, para o bem e para o mal, na vida da cidade do Porto e das suas envolvências. Ou até para os males que vêm por bem.
    Os responsáveis Teresa Lago e Manuela Melo fizeram um retrato dos primeiros seis meses da realização do projecto. E traçaram um quadro muito positivo do que até aqui foi feito.
    Teresa Lago, que em entrevistas tem vindo a reclamar (assiste-lhe essa razão) o reconhecimento da população pelo que tem sido realizado, apresentou números concretos e quantificações de dados que podem sugerir uma taxa de ocupação dos espaços de cerca de 75 por cento do que havia sido porjectado.
    Assim, nos primeiros seis meses foram contabilizados 277 eventos mas seguintes áreas: Artes do Palco (85), Artes Plásticas e Arquitectura (18), Animação da Cidade (5), Envolvimento a População (30), Cinema, Audiovisual e ultimedia (20) Música (58), Pensamento Ciência e Literatura (58). O número constatado de presenças ronda os
    730.000, número digno de realce, porque quase duplica o número de residentes na cidade. Realce para a frequência do Museu de Serralves, que tem registado grande afluência de público, captando e sensibilizando para a expressão artística a população da cidade. Neste sentido se saúda a próxima reabertura do principal Museu da cidade, o Soares dos Reis, com abertura prevista para o dia 24 de Julho.
    Estes eventos envolveram cerca de 8500 artistas, 200 técnicos em diversas especialidades, para além do pessoal técnico e administrativo das estrutras participantes nos eventos.
    Também se salientou a presença de figuras do mundo das artes, da cultura e da política, o envolvimento de muitas estruturas da cidade, algumas mesmo inicialmente não previstas, e foram também referenciados como palco (com a natural timidez laica) muitas estruturas ligadas à Igreja, como a Sé, S. Lourenço, S. João da Foz, Leça do Balio, Misericósdia e Lapa ou Senhora da Conceição, onde decorreram eventos apoiados pela capital da cultura. Neste domínio, acrescentamos nós, parece ter havido uma aposta demasiado tímida nos agrupamentos e nos espaços relacionados com a Igreja, que poderiam ter sido bem mais aproveitados e rentabilizados, nomeadamento nos domínios da música.
    Manuela de Melo preferiu salientaralguns dos dados culturais: a publicação da "Rosa do Mundo, 2001 poemas" de todos os tempos e espaços, certamente uma das realizações mais notáveis até ao momento, mas também outras dimensões culturais menos visíveis, mas talvez mais fundas, como a mobilização das escolas, fazendo chegar aos mais novos o conhecimento e a valorização dos espaços da cidade, cheios de carga histórica e tantas vezes desconhecidos por aqueles que os percorrem todos os dias.
    Neste aspecto, merece especial referância os "Roteiros da Cidade", muitos já realizados e outros a realizar pelas escolas e entidades cultrais (sobressaem os Roteiros de Literatura, conduzidos pelo escritor Mário Cláudio, relacionando com o Porto os seus escritores). Outras iniciativas têm sido marcantes, como as conferências sobre aspectos actuais da ciência e do pensamento, os encontros com escritores e outros criadores e a participação dos meios de comunicação social, veículos essenciais para a visibilidade dos acontecimentos.

    Execução orçamental
    Do orçamento previsto para a programação cultural (5,250 milhões de contos, pouco mais de 10% do orçamento global, que engloba a requalificação urbana, vulgo as obras na cidade), revelou-se que foram realizadas até ao momento despesas no montante de 3,589 milhões de contos, representando uma execução de 68%. O montante das despesas realizadas, esclarece-se, considera a satisfação de compromissos relativos a eventos previstos e ainda não realizados, (pelo que não se regista qualquer desvio ao orçamento previsto".

    Visibilidade dos acontecimentos

    O gabinete de imprensa realizou várias estatísticas que dão conta da visibilidade perante e população do conjunto dos eventos. O sistema de monitorização dos dados referidos na imprensa, rádio e televisão registou mais de nove mil notícias dadas pelos órgãos de comunicação e relacionados com os eventos do porto 2001. Por sua vez, os serviços de imprensa difundiram mais de duas centenas de comunicados oficiais sobre os acontecimentos programados. Igualmente o site da internet registou 216 617 visitas, com uma duração média de 8 minutos, correspondendo a uma média diária de 1203 visitas.

    A festa de aniversário
    A Porto 2001 quis assinalar a passagem dos seis meses das suas realizações (iniciadas, recorde-se em 13 de Janeiro de 2001, com o concerto da Orquestra de Paris e com o grande espectáculo de fogo de artifício sobre o rio Douro) com um conjunto de espectáculos de rua, a que foi dado o nome geral de "A ponte dos sonhos". Os espectáculos, partindo de vários pontos da cidade, procuraram associar a memória de vários acontecimentos: a vida do burgo medieval, os autos inquiritoriais, o cerco do Porto, a revolta do 31 de Janeiro e a libertação da cidade pelos exércitos liberais e, com especial realce, o episódio trágico das invasões francesas, em que a população encurralada pelo exército napoleónico tentou fugir pela então existente "ponte das barcas", que cedeu e mergulhou no rio, provocando a perda da vida de milhares de pessoas. Narra-se que os soldados passaram ao lado de Gaia calcando os cadáveres dos afogados... Em sua memória, que é cintínua no monumento existente na Ribeira, e que sugeriu a ideia de adornar com velas os espaços envolventes do lado do Porto e de Gaia. Com as luzes da cidade apagadas, brilhou na noite, antes do fogo de artifício, a recordação dos que ali morreram. "Guerra e Paz", quis sugerir o conjunto do espectáculo, que culmunou com um fogo de artifício lançado da ponte e da Serra do Pilar, que como sempre é a alegria do povo. Quando não falha...


    Comentário
    O fogo de artifício pode ser chamado o esplendor do efémero. Brilhante e passageiro, produz emoções de momento e cria festa no espírito das gentes. Por isso é natural que uma organização de festa da cultura aposte também na efemeridade fulgente do fogo, com que a nossa gente festeja anualmente os seus santos ou expulsa os seus demónios. E cria sempre aquele sentimento de satisfação momentânea, que corre também o risco de se tornar efémera. Só não o será se as outras realizações vierem a justificar a permanência deses dados culturais que aperfeiçoarão mentalidades e formas de viver.
    Dos eventos da capital da cultura já aqui dissemos algo. Não ficaria mal repetir o que julgamos mais positivo e mais negativo.
    Como mais positivo: uma boa adesão do público às iniciativas; a variedade e amplidão das ofertas culturais (que vão desde o erudito ao popular, desde o clássico ao modernista ou futurista, do tradicional às iniciativas de vanguarda nas diferentes artes, das ciências aos espectáculos de rua, do escol cultural ao envolvimento da população, como a participação de escolas e agrupamentos juvenis); uma progressiva visualidade das inicitivas, que se têm vindo a tornar mais conhecidas do público; a participação de promotores diversificados (iniciativas lideradas por Universidades, por entidades culturais activas, que se inseriram no conjunto das propostas culturais - como o FITEI ou o Fantasporto, como a participação de projectos como a Plurifonia 2001 e os concertos organizados pelo Coro da Sé do Porto e por outras entidades ligadas à Igreja. Dos aspectos negativos, vem sempre ao de cima o atraso da requalificação urbana, da construção da obra emblemática da Casa da Música, os núcleos de desentendimento entre a Câmara e a Sociedade Porto 2001 (que a comunicação social gosta sempre de explorar) ou entre sectores de programação, a má distribuição dos lugares em alguns espectáculos mais procurados (dado que a presidente tentou explicar e minimizar), com ofertas a pessoas ou entidades que depois não comaparecem nem avisam. Outra falha, esta inicial, foi a aposta, com laivos de provincianismo, na programação de origem estrangeira e a pouca aposta nos criadores e nos agrupamentos nacionais. Fizeram falta os autores portugueses: na música, nos grupos de teatro (obras de autores portugueses, onde estão?), fez falta uma maior valorização da multiplicidade de criação artística que existe entre nós.
    Uma capital da cultura, dissemo-lo desde o início, deve ser concebida prioritariamente como forma de divulgar as potencialidades criativas das suas gentes, no relacionamento e em diálogo com outras formas de cultura. O entendimento inicial pareceu ser contrário: trazer cá as coisas de fora, qualquer que seja a qualidade, naquele fascínio pela novidade que define a concepção provinciana. Parece que se arrepiou caminho nessas andanças. Não tanto como seria desejável, porém. O investimento vultuoso deveria ter por objectivo primário valorizar a nossa cultura, proporcionar aos nossos criadores ocasião de exercitarem as suas qualidades, mostrar aos outros aquilo de que somos capazes.
    Diga-se de novo, apoiando a satisfação de Teresa Lago: o saldo é claramente positivo. A oferta é diversificada. Há elevada qualidade em muitas realizações. O desejável é o incremento das iniciativas. Com este nosso velho jeito de deixarmos tudo para o fim, grandes realizações ainda nos espera. E, como foi na Expo98, quando se vier a perguntar ao povo anónimo: "O que pensa do Porto 2001?", certamente que se afirmará que dele nos podemos orgulhar.