«Elizabeth»: o peso da coroa
As recriações históricas no cinema anglosaxão costumam ter um selo característico: uma ambientação impecável, rigor histórico, actores potentes e uma certa aura de verossimilhança. Aqui, o personagem central oferece tema suficiente, mas também inevitáveis comparações com as muitas versões que já se fizeram sobre ela.
A história é sobejamente conhecida, mas nunca é demais lembrar. Isabel Tudor, filha de Ana Bolena e de Henrique VIII, que ficou conhecida como a Rainha Virgem, subiu ao trono da Inglaterra em 1558, com 25 anos de idade. Antes e durante o seu reinado, as conspirações, assassinatos, traições e alianças com outros reinos e com o poder das igrejas eram o pão de cada dia. E ela, que esteve a ponto de morrer às mãos da sua própria irmã, Maria Tudor, à morte desta, exerceu o poder sendo mulher, sem aceitar casamentos de conveniência com a Espanha ou a França, lutando contra a Escócia e os seus inimigos da corte e sendo excomungada pelo Papa, morreu, já mais velha, e de morte natural. Uma autêntica proeza!
O realizador hindú Shekhar Kapur atreveu-se a rodar o seu primeiro filme em língua inglesa; e fê-lo retomando a biografia de um dos mitos monárquicos da Inglaterra, nação que até à bem pouco tempo dominara a sua Índia natal. «A Vida Privada de Elizabeth e Essex» (de Michael Curtiz. EUA, 1939) e «A Rainha Virgem» (de Henry Koster. EUA, 1955) foram alguns dos filmes que inspiraram este realizador na altura de passar para o grande ecrã alguns aspectos da vida da rainha Isabel I de Inglaterra. Longe de se centrar nas aventuras amorosas que teve este famosa mulher que nunca chegou a casar, o realizador de «A Rainha dos Bandidos» sentiu-se mais inclinado em mostrar a atmosfera de intriga e codícia que rodeou esta mulher que governou a Inglaterra com punho de ferro e apenas 25 anos.
«Elizabeth» aborda os primeiros anos do reinado de Isabel I, e, através da soberba interpretação da australiana Cate Blanchett (que vimos em «Oscar e Lucinda», ao lado de Ralph Fiennes), evidenciam-se a sua inteligência, a autoridade de ferro, o valor e o seu grande fracasso: o amor. Esta versão fala do único homem por quem esteve apaixonada, mas que era casado (muito bem interpretado por Joseph Fiennes, irmão de Ralph). Tudo o mais, os homens cuja função era a de aconselhar a rainha, mas por quem ela nunca deixou de tomar as suas próprias decisões e as intrigas pelas quais pagou muito caro, constituem uma história tão interessante como um boa novela de ficção.
Um filme com um excelente nível tanto no plano artístico como no eminentemente cinematográfico, que conta com um elenco memorável (além da expressiva Cate Blanchett, temos Joseph Fiennes como Lord Robert Dudley, Conde de Leicester; Geoffrey Rush - Oscar de melhor actor em «Shine, Simplesmente Genial» - no papel do obscuro e enigmático Sir Francis Walsingham e Richard Attenborough como Sir William Cecil, um dos conselheiros da rainha, além do ex-jogador do Manchester United Eric Cantona que protagoniza, e muito bem, Monsieur de Foix, o embaixador francês), que o tornam uma das melhores estreias do actual panorama cinéfilo português. Ver nas salas Warner-Lusomundo a partir de 29 de Janeiro. Distribuição: Lusomundo Audiovisuais.
Vasco Martins