Américo Ferreira dos Santos Silva (1830-1899)
O Cardeal bispo do Porto D. Américo, foi um homem do Porto por nascimento (Massarelos) e proveniência familiar. Quer o seu pai, José Ferreira dos Santos Silva, empreendedor homem de negócios por tradição paterna, fundador de companhias e bancos comerciais, Cônsul da Bélgica em Portugal, Presidente da Associação Comercial do Porto e em 1850 Barão de Santos, quer sua mãe, Carolina Augusta de La Rocque, de fino trato, nasceram no Porto, respectivamente em Lordelo do Ouro (1799-1858) e S. Nicolau (1812-1893).
Seguindo o costume das famílias mais abastadas, dão aos filhos a possibilidade de estudar num Colégio parisiense orientado por um egresso dos agostinhos. Para lá foi com os três irmãos: João, Carlos e Geraldo desde 1840 a 1843.
Regressado, concluiu no Porto os preparatórios em casa de um latinista, P. Jerónimo da Costa do Rosário, até se matricular na Faculdade de Teologia de Coimbra. Aí obteve o Grau de Doutor em 1852. Em Setembro foi ordenado presbítero já em Lisboa, para onde o pai vai residir.
A partir da ordenação exerce, portanto, o ministério na diocese de Lisboa. Restaurado o Seminário de Santarém é escolhido para Professor de Teologia e aí permanecerá até 1863. A proximidade da capital dá-lhe possibilidades. Acompanha o Patriarca D. Guilherme, como secretário, aquando da definição dogmática da Imaculada Conceição em 1854. Traz da cidade eterna o título de Monsenhor e chegado recebe a Comenda da Ordem de Cristo e o encargo de Vice-Reitor do Seminário (13-10-1855). Rege a Cadeira de Francês após a integração do Liceu Nacional no Seminário de Santarém e vem a ser Reitor do Liceu e Comissário dos Estudos do Distrito. Por falta de saúde deixa em 2 de Julho de 1862 a cidade de Santarém e vai para Lisboa.
Tinha sido nomeado Cónego em 1858. Agora a viver em Lisboa vai ascender progressivamente a altos cargos, em Julho de 1864 faz parte da Junta Governativa da Diocese, por ausência temporária do Patriarca em Abril de 1865 é Desembargador da Relação Metropolitana de Lisboa, em Julho de 1869 Arcipreste da Catedral e, finalmente, vagando a Sé em Setembro de 1869 é escolhido para Vigário Capitular. Será nesta missão, desempenhada com apreço unânime durante quase dois anos, que conhecerá a nomeação para o Porto.
Tendo falecido D. João de França Castro e Moura (16-10-1868), D. Luís apresentou Américo Santos Silva por decreto de 23-12-1869 e Pio IX nomeou-o a 26 de Junho de 1871, depois de desfazer suspeitas de ligação à maçonaria. Ordenado bispo a 10 de Setembro, na Sé, pelo Patriarca D. Inácio do Nascimento Morais Cardoso, expede a primeira carta pastoral a 12. A 16 entrou no Paço, sem aparato. A 20 fez entrada solene na Catedral, saindo do Paço.
Uma das preocupações primárias de D. Américo foi renovar o Seminário, como ponto fulcral para o futuro da diocese. A experiência adquirida em Santarém, a determinação empreendedora herdada no sangue portuense e a vivacidade da inteligência valorizam a atenção prestada à educação do clero, sem a qual não se renovaria a diocese.
Logo, a 4 de Agosto de 1872, D. Américo publicou os Estatutos provisórios do Seminário Episcopal de Nossa Senhora da Conceição do Porto, reveladores de uma larga experiência neste sector de vida pastoral. Organizou o curso trienal com melhor lógica e mais largos horizontes. Permitiu melhores condições físicas pela reforma assinalável das instalações. Mandou construir mais 24 quartos, refeitório novo, copa, cozinha e balneário.
Apesar disso devido ao progressivo aumento do número de alunos fundou em Pedroso - Gaia o Seminário de Nª. Srª. do Rosário dos Carvalhos para os alunos dos Preparatórios. Foi inaugurado o pequeno Seminário a 16 de Novembro de 1884, contribuindo o Prelado com o donativo correspondente a metade dos custos.
Em 1894 mandou proceder à construção, no Seminário da Sé, de mais 30 quartos, contribuindo com o donativo de 50%. Em 1887 e 1898 foi o Seminário dos Carvalhos sujeito a ampliações, sempre colaborando com grande parte dos custos.
Inventou formas de premiar ao alunos mais estudiosos e de contribuir para ajudar alunos pobres. À Biblioteca legou os seus livros, 1300 volumes bem encadernados.
Vivia-se hora de grande projecção do laicado portuense. De 27 de Dezembro de 1871 a 5 de Janeiro de 1872, o Porto foi palco do I Congresso Católico, no Salão Gil Vicente do Palácio de Cristal. Promovido pela Associação Católica, fundada no ano anterior, teve como deliberação a criação do jornal "A Palavra" que já saía em 1 de Agosto de 1872 e vingará durante quase 40 anos.
Concluiu com a Câmara Municipal do Porto uns pleitos que se arrastavam desde 1838, relativamente a rendas de terrenos do Cemitério do Prado e da Quinta do Seminário de Santo António (Colégio dos Orfãos). Muitas vezes se referiu à relação entre poder civil e religioso nas suas intervenções. Defendeu as boas relações entre Igreja e Estado.
Luta pela dignidade de celebração da Procissão do Corpo de Deus, na cidade do Porto.
A época era difícil, pela reacção ao Papado, criadora de tumultos geradora de públicas manifestações. D. Américo, desde o início do seu episcopado até 1877, no aniversário de eleição do Papa Pio IX, celebrava, na Sé, um Te Deum. Sempre foi rodeado de tumultos à porta da Sé, continuados à noite junto da Associação Católica. Era o partido anticlerial, do Diário da Tarde, a provocar incidentes. Com a mesma coerência D. Américo publicou a 11 de Fevereiro de 1878, uma Provisão na qual participava a morte de Pio IX (7-2-78). Como prova de atenção, instituiu também a obra do "Dinheiro de S. Pedro" em 15-8-1879, para ajudar as despesas do Vaticano.
A constituição de comunidades protestantes verificou-se no Porto a partir de 1866 e persistiu por intervenção de dois industriais, irmãos Diogo e André Cassels. Na década de 70 existiam quatro tendências principais: a comunidade episcopaliana, à volta de Thomas Rope; a presbiteriana, em torno de Robert Stewart, a metodista, com animação dos Cassels e o ambiente congregacionista ligado à mãe e filho Roughton. A Igreja Lusitana Católica Apostólica Evangélica constituiu-se em 8 de Março de 1880. A primeira edição do Livro de Oração Comum é de 1884. Alguns eclesiásticos abandonam a Igreja Católica Romana, como Guilherme Dias da Cunha (1844).
Atento a esta evolução a 30 de Setembro de 1878 publicou uma longa pastoral sobre o Protestantismo. É um documento que testemunha uma forma de intervir, no melhor estilo contemporâneo. Neste texto D. Américo revela-se um bispo vigoroso na defesa da Fé e polémico no combate teológico, sem demonstrar agressividade nem favorecer guerras inúteis. Mas dois escritos apareceram a contestar as posições de D. Américo: Observações e Resposta (R.R. KALLEY e Guilherme Dias).
Os professores do Seminário decidem responder pela pena do Dr. Manuel Filipe Coelho, Cónego Arcipreste da Sé. A obra intitulada: Refutações das principais objecções. Porto 1879, 143 p. ; P. Sena Freitas - Crítica à crítica. Porto 1879, 122 p. responde a Guilherme Dias. pelas sucessivas intervenções se demonstra a oportunidade da abordagem episcopal.
D. Luís I usou da prerrogativa de pedir ao Papa um Cardeal Nacional, além do Patriarca, sendo D. Américo confessor do Príncipe D. Carlos e do Infante D. Afonso e por isso gozava da simpatia real. Compreende-se assim que Leão XIII no Consistório de 12 de Maio de 1879 nomeasse D. Américo Cardeal Presbítero com o título dos Santos Quatro Coroados. A solene imposição do barrete realizou-se com pompa, na capela Real da Ajuda. D. Américo iria depois a Roma em Fevereiro de 1880 receber o chapéu cardinalício. Lá permaneceu até 13 de Março.
A família real pensou mesmo apresentar a transferência de D. Américo para Lisboa. Mas invocando pouca saúde e sobretudo o desejo de permanecer no Porto para ver o resultado da sua aposta nos Seminários, conseguiu fazê-la desistir. Mas o título de Cardeal não afastou os problemas e várias polémicas o esperavam.
Em 1880 dá-se o caso do suicídio do Padre António Augusto Tavares, Pároco de Barcos (Tabuaço) de Lamego e apresentado para a Igreja de Valadares (Gaia). Por ter reprovado no exame sinodal, mata-se na Rua da Batalha, com um tiro de revólver, no dia seguinte ao exame. Levanta-se uma discussão acesa sobre os exames sinodais. Acusa-se o Cardeal de opressor pelo rigor nas provas. A polémica dá brado na Imprensa: O Primeiro de Janeiro e a A Palavra; e sairá um volume: Os Exames Synodaes e os protestos do clero da Diocese do Porto, 1880. Também os artigos de A Palavra do Conde de Samodães, são publicados em volume. Esta polémica demonstra o criador de um clero formado e capaz de imprimir profundas marcas na vida da diocese.
A questão do D. Prior de Cedofeita também agitou os ânimos em 1880. Seria ele simplesmente Pároco da Igreja ou Cónego da Colegiada e por isso obrigado ao ofício coral. D. Américo determinou por provisão (23-10-80) que todos tinham obrigações capitulares. O Cónego António Alves Mendes da Silva Ribeiro escreveu um opúsculo de 128 p., com decisão contrária.
Em 1885 surge nova questão relativa à Confraria de Santo António de Aguardente, que abusivamente se opôs a que o Pe. José Coelho da Rocha exercesse o seu ministério.
A capacidade organizadora, o carácter metódico e a preparação recomendaram-no para tarefas delicadas. Assim em 1881 deu execução à Bula Papal Gravissimum Christi Ecclesiam (30-09-1881) que apresentava nova circunscrição diocesana. A sentença foi proferida em 4 de Setembro de 1882 e a 25 de Setembro provia medidas para assumir as paróquias transferidas das dioceses de Braga, Lamego e Aveiro para o Porto. Criou mais duas comarcas além das existentes: uma em Amarante em quatro distritos e outra em Arouca, em mais quatro (Provisão de 27-11-82).
Os últimos anos de vida, desde 1896, foram de doença na coluna. Ao piorar de situação, no início de 1899, foi resistindo até 21 de Janeiro.
Era conhecido o zelo pela caridade e a sua bondade no respeito pela dignidade dos pobres e na imediata resposta aos problemas da região. Basta recordar as horas difíceis do incêndio do Teatro Baquet. D. Américo presidiu à Comissão de Socorro às famílias das vítimas. Também no caso do Ultimato Inglês de 11-01-1890 protesta com uma Provisão (19-2) reveladora do alto perfil de patriota consciente da sua missão e dando remédio às necessidades da sociedade contemporânea. Desta vez cria na diocese uma subscrição do clero a favor da defesa nacional.
À questão social consagrou uma importante pastoral (3-11-1891) no seguimento da encíclica de Leão XIII. Em 5-9-1898 aprovou os Estatutos do Círculo Católico de Operários do Porto. Na Oficina de S. José pronuncia informada alocução sobre o trabalho. Já então lutou pelo descanso dominical (1874-1879). Emitiu em 10-9-1897 documentos para implorar ajuda para as vítimas de intempéries, pobreza, abandono: Cheias de (7-11-1877); Terramoto na Andaluzia(22-1-1885); Cóleras-morbus (30-7-1885); Peditório a favor do Hospital da Crianças Maria Pia (20-2-1886); Males da Agricultura Portuguesa (12-1887).
Carlos A. Moreira Azevedo
Director do Centro de Estudos de História Religiosa
Universidade Católica Portuguesa