C. F.
Decidi-me a viajar num enigmático país, no qual floresceu uma língua oriunda do Lácio a qual, testemunho de poeta nacional, com pouca corrupção se crê que é latina.
Correram os tempos, e agora os linguajadores, mestres comerciantes, portentosos industriais e homens do business bem poderão mudar o decassílabo camoniano para língua que, assim corrompida como a fazem, com tanta corrupção se pode crer que é inglesa ou americana, ou uma estranha mistela de várias.
Eu conto. Entra-se nesse país de estranhas maravilhas por portas onde se escreve welcome. Impingem-nos logo um cartão de access, que não dá acesso senão ao pagamento que dele se deve fazer, idêntico a outro que a mesma empresa nacional divulga com o nome de fast Galp, como se em português já não existisse o faz-te fino, como dizia a minha mãezinha para espevitar a imaginação. A cerveja que nos apresentam ou é superbock, ou é cheers ou é cool, todas made in Portugal. Se encontrar e usar sagres ou cristal pode parecer provinciano, e se for cintra até aparece mal escrito.
Passando para o desporto, que é a suprema sabedoria nacional, ouvem-se os programas, e inundam-nos de rankings, de prize money, de smash, de top ten, de break points, de sets, de pole positions; vamos ao hotel e perguntam-nos logo pelo vauscher, se single ou twin, ou se queremos o seu buffet livre; oferecem-nos red fish, servem-nos o espumante em flûte, que é uma das poucas reminiscências, ao lado do concertante encore, da influência antiga da língua das Gálias, agora em franca decadência. Ah, existe agora a rentrée, em que se divulgam novidade do ano anterior.
Nesta linha de renovação, até as universidades realizam coisas como um portuguesíssimo Minho Campus Party (perceberam o que é, ou o que foi?) ou um Azores Digital". Foi instalada, dizem, na Ribeira, uma Porto Shop, que faz marchandising de T-shirts promocionais da cidade. Outras entidades exibem nas montras sweters, tops, culottes, soutiens e outros objectos de grande utilidade pública.
Toda esta inovação é fomentada pelo harware e pelo sofware de gestão, com o input e o output, o lay-out da página, exercício quotidiano do print e do printar, familiares informáticos do set point e do match point... Temos depois o nosso site, no qual estão todas as informações on line, em que as últimas notícias estão geralmente antiquadas. Os do futebol falam-nos dos nossos sponsors, mesmo quando já tenham generosamente substituído o off-side pelo fora de jogo, elaboram-se os rankings de diversas especialidades e promovem-se as especialidades indoor.
Os dos telemóveis também nos falam do serviço wap, das chamadas em roming (com que subtilmente nos vão explorando) e até se publicita a mimo image. Como se a pelavar, inglesa ou francesa, não fosse de origem latina... Os dos cartões de crédito oferecem-nos o gold, o privilege e o classic, e existe até um banco Best (cuidadosamente sem e no fim) e um home banking.... Ouvimos na rádio uma estranhíssima coisa que é o pay shop, que soa mais ou menos como peixote, certamente peixe da família dos subdesenvolvidos.
Se formos à Madeira, deparamos logo com o respectivo off-shore, bem como com o show off do seu Jardim, tudo emoldurado em brilhantes outdoors.
Agora vem uma empresa de calçado garantir que o melhor é ir ao Guimarães Retail Center, que também se encontra no Pombal Fashion, mais um a juntar a tantos outros shoppings que proliferam por esse mundo. Também nos garantem que o Pay-TV é um bom negócio e que os chats da Web devem ser visitados pelos internautas. O problema maior continua a ser o do share das diferentes televisões, sobretudo no prime time.
Entretanto continua a verificar-se que os estudantes dominam mal o português, e os jornais acusam e escola de ser responsável por isso. Como se está a ver.
P.S. - 1. Cumpre-nos felicitar a divulgação deste ano daquela que no ano passado se tornara, na publicidade, em Portucalense Universidade, e que agora regressou às suas raízes: Universidade Portucalense.
2. Nota-se que já há bastante gente a substituir o site pelo sítio da internet (a começar pelos textos da União Europeia), o que é louvar. Mas há sempre os renitentes do sai-te...
3. Recebo agora com o jornal de domingo um sub-jornal intitulado ExponorNews. Estas neves não sei se são as perpétuas do Kilimadjaro ou as que bem poderiam ser substituídas, com ar menos provinciano, pelas Novas da Exponor. Já lá dizia o Pessoa que o grande mal da mentalidade portuguesa é que o nosso escol é estruturalmente provinciano...