C. F.
1 . Temos que aceitar que a política é merecedora da consideração dos cidadãos.
Mas os cidadãos também são merecedores da qualidade da acção política. Ora é esta complexa interacção que falha frequentemente.
Uma das mais tristes coisas que ouvimos frequentemente proclamar é que os políticos são todos uns interesseiros, quando não marcados pela corrupção. Dou frequentemente por mim a pensar que muitas outras actividades sociais, se estivessem expostas à análise, quando não à exploração interesseira do meios de comunicação, todos os seus agentes pareceriam muito menos honestos do que aquilo que parecem os políticos.
Mas como em política tudo o que parece é, as mentiras ou inverdades que se propalam com excessiva facilidade tornam-se não raro os padrões globais de comportamento das personalidades políticas.
Nada há mais apetecível que descobrir um homem ou mulher ligada à acção política ou governativa, ou mesmo autárquica, que tenha na sua vida privada ou pública um pequeno lapso fomentador de exploração, uma palavra, um acto mal interpretado, uma frase extemporânea, um comentário agreste: enchem-se os jornais, os sensacionalistas e também aqueles que querem preservar um ar de seriedade, mas que também não conseguem resistir ao irresistível apelo do sensacional.
2 . Esta defesa do bom nome dos políticos também tem uma razão de defesa geral do bom nome de qualquer cidadão: é sempre deprimente, e sente-se que é um déficit cultural (que não é apenas nacional) esta ânsia vácua de denegrir as pessoas, públicas ou simples, notáveis modestas que sejam, que todos temos de ser modestos no efémero de nossa humana condição. É sempre fácil fabricar ou largar atoardas. O que é mais grave quando estas nascem da distorção das declarações das pessoas e são mistificadas e falseadas pelas mentes inquinadas de fabricadores profissionais de títulos para vender.
Basta ler as primeiras páginas de jornais e revistas do género para se perceber a técnica de denegrir pessoas ou instituições.
3 . Têm estas reflexões relação estreita com os últimos acontecimentos nos domínios sempre jornalisticamente apetecidos da transição entre governos. Este foi um fenómeno raro, nas condições em que verificou: demissão inesperada, nomeação referenciada, designação lenta, assunção rápida do poder, constituição meteórica de um governo de caras novas. Importa referir que há uma qualidade que não se pode negar ao novo Primeiro Ministro: a composição quase fulgurante do Governo. Estávamos habituados a que a constituição de um qualquer governo para o país fosse um parto lento, quando não doloroso. Dava azo a especulações subtis e análises tremendistas. Este foi um parto aparentemente fácil e rápido. Esperemos que a criança não tenha por isso nascido com malformações, Deus nos livre.
Já aqui tínhamos afirmado a nossa estranheza por tal originalidade, as dos difíceis partos governamentais, porque é sabido que em outros países, mais habituados à democracia formal (quantos estão habituados è democracia real?), alguns breves dias após as eleições, já o novo governo é apresentado ao parlamento.
Mas Santana Lopes deu, neste aspecto (que não em outros) o exemplo do que importa sempre fazer: a constituição de um Governo deve ser breve, antecipadamente pensada e imediatamente realizada.
Claro que para isso não havia necessidade de lançar atoardas: que seria um governo descentralizado (depois só tem gente de Lisboa, e isso não é mal nenhum, a melhor gente portuguesa está em Lisboa, porque não nasceu lá, mas para lá foi de diferentes proveniências etnográficas e culturais, e nesse aspecto Lisboa é o retrato sociológico do país real transportado para as avenidas novas, para o Terreiro do Paço, para o Rossio ou mesmo para a Betesga), que teria sedes do Algarve até ao Minho, que seria um governo de continuidade, e portanto de contenção. E até que baixaria os impostos!
Não sabemos o que vai ser. Mas quanto à contenção, em época ainda de vacas magras (segundo o Presidente a governação não pode ser eleitoralista - boa premonição), parece estranho que esta se consiga realizar com mais ministérios - todo o Ministério que se preze é uma fonte de gastos supérfluos, além dos eventualmente necessários. Como é claramente fonte de gastos supérfluos a peregrina ideia da deslocação de ministérios para o Algarve ou para o Porto ou até para Coimbra ou para o União de Leiria...
4 . Outra coisa que sempre faz confusão ao cidadão generoso e cheio de boa vontade que olha para a vida política como se fosse um verdadeiro serviço aos cidadãos e ao país é a fabricação de ministérios para qualquer coisa, sobretudo para entidades abstractas, como sejam a presidência, a juventude, as crianças, o ambiente, a família, a qualidade... Só falta termos ministérios para a terceira idade, para a idade adulta, para as aldeias (já que há para as cidades), para a generosidade, para o entusiasmo, para o futuro...
Sempre foi nosso entendimento que os ministérios se devem reportar a actividades capazmente referenciadas: a indústria, a agricultura, as finanças, os transportes, a educação e similares. Tradicionalmente assim era. Mas estas modernices agora inventam ministérios para tudo, certamente para dar, não digo emprego, mas alguma aplicação política a quem não tem outra.
5. Ora é aqui que nos vemos confrontados com o proémio deste texto: será que de facto a acção política é coisa séria, de serviço do país, exercida com honestidade, entregue aos mais competentes, incidindo no essencial e eliminando o supérfluo?
6 . Já agora, uma palavra final, que poderia ser inicial: a decisão do Presidente da República de manter a actual maioria é tão certa ou tão errada como qualquer outra. Foi dito (não se sabe com que fundamento) que era a decisão mais grave do seu mandato. Não se vê porquê. O que nos custa a compreender é que para manter as coisas como estavam (não digo se bem se mal) fosse preciso tanto tempo. Em dez por cento do tempo tinha sido obtido exactamente o mesmo resultado, e tinha-se poupado esforço e produzido trabalho útil.
E como dizia o P. Vieira (desculpem, já sei que é antiquado, mas é verdadeiro), os pecados de que mais se devem lamentar as repúblicas é dos pecados do tempo: porque fazem hoje o que deviam ter feito ontem, e amanhã o que devia ter sido na semana passada. Em tais adiamentos se esbanja o trabalho e o bem comum.