Fernando Nobre fundador e presidente da AMI
Missionários, os maiores defensores das causas humanitárias
A AMI, Assistência Médica Internacional, comemora os seus 20 anos de existência, ao longo dos quais promoveu numerosas acções humanitárias, nos lugares mais difíceis e trágicos do mundo, acorrendo a necessidades básicas das populações. Recentemente, foi das primeiras instituições a acorrer às vítimas do maremoto no sul e sudeste da Ásia.
Apresentamos, a propósito, uma entrevista com o seu Fundador e Presidente.
VP - Residiu 20 anos na Bélgica, onde se doutorou e especializou, coincidindo os 2 últimos anos com o nascer da Fundação AMI. A criação deu-se lá, para ser internacional?
Fernando Nobre (FN) - Não, deu-se por lá por mero acaso já que por razões profissionais que me ligavam à Faculdade de Medicina eu só poderia vir para Portugal em finais de 1985.
VP - Apesar da AMI ter 20 anos de existência, a sua dedicação ao serviço de causas humanitárias conta já com bodas de prata. Como surgiu a necessidade de criar esta Fundação?
FN - A necessidade que eu sentia que em Portugal existisse também uma instituição humanitária não governamental com o espírito altruístico que eu conhecia nos Médecins Sans Frontières.
VP - Para assinalar o 20º aniversário publicou há pouco tempo o livro "Viagens contra a Indiferença". Que tipo de livro se trata? O que sublinha nele?
FN - É um livro de experiências vividas ao longo dos últimos 25 anos em que a tónica geral são os gritos de alma que lanço quando confrontado com situações humanas que me revoltam.
VP - O facto da AMI ser uma ONG, apolítica, independente e sem fins lucrativos consegue tudo aquilo que pretende e a que se destina?
FN - Consegue o essencial que é poder actuar independentemente dos poderes políticos o que lhe permitiu estabelecer com a sociedade civil portuguesa uma empatia muito especial e muito forte.
VP - A AMI está neste momento nos 5 Continentes, em 50 Países. Prevêem chegar mais longe a curto-médio prazo?
FN - Perante as necessidades cada vez mais gritantes no mundo inteiro a AMI terá forçosamente que reforçar a sua acção junto dos povos sofredores em todos os continentes. A nossa acção no Sri Lanka, após o tsunami, é exemplo disso.
VP - Como funciona realmente a AMI? Estrutura, Missões, Critérios, Prioridades, Oportunidades, Pontos Fortes, Pessoal/Voluntariado...
FN - A AMI funciona com um esqueleto de funcionários próprios que trabalham na sua sede nacional, delegações nacionais e internacionais e equipamentos sociais em Portugal. Conta por outro lado com uma estrutura forte de voluntariado sem a qual a sua missão seria impossível.
VP - Com o início da criação da AMI surgiu também um outro projecto social: 7 Centros "Porta Amiga" e um Abrigo Nocturno. Em que consiste este projecto e como tem evoluído? Onde se localizam esses Centros?
FN - A AMI dispõe actualmente de 9 equipamentos sociais a funcionar, 8 Centros Porta Amiga e 1 Abrigo para os Sem Abrigo. Os Centros Porta Amiga estão em Coimbra, Porto, Gaia, Cascais, Chelas, Olaias, Almada, Funchal e o Abrigo para os Sem Abrigo em Lisboa. Em 2005 a AMI conta abrir mais três equipamentos sociais, duas Portas Amigas (Coimbra e Açores) e um Abrigo para os Sem Abrigo no Porto. Estes projectos sociais são uma resposta da fundação AMI na luta contra a pobreza e a miséria em Portugal.
VP - A AMI, ao ter instituído 2 Prémios anuais (Jornalismo e Saúde), tem conseguido suscitar, como deseja, a investigação sobre temas de interesse geral, muitas vezes esquecidos?
FN - Sim, felizmente temos conseguido que os jornalistas publiquem trabalhos de interesse humano e que os investigadores clínicos não se esqueçam das doenças esquecidas que matam 17 milhões de pessoas por ano no Mundo.
VP - Visto que foi Fundador e Vice-Presidente da VOICE (Voluntary Organization in Cooperation for Emergencies), com sede em Bruxelas, porque razão deixou de ser Membro do Comité Director?
FN - Por questões de disponibilidade de tempo contudo a AMI mantém-se como único membro português da VOICE.
VP - De que forma encara e interpreta todas as Distinções e Condecorações - e todas elas de grande peso - já recebidas ao longo destas duas décadas?
FN - Com normalidade, tal não afectando minimamente a minha postura pessoal e a minha acção que continuam a ser as mesmas de sempre.
VP - Passo agora para um assunto desolador: o maremoto asiático. Dado que está neste momento no campo de acção, qual é a situação actual e a avaliação que faz?
FN - Uma enorme tragédia para um povo que teve laços históricos importantíssimos com Portugal e que guarda intactos na sua memória e no seu dia-a-dia estreitos laços com os usos e costumes lusitanos.
VP - De que forma é que vai sendo coordenada e orientada a ajuda internacional, tanto para a procura dos que estão ainda desaparecidos e para o realojamento de inúmeras famílias, como para o desenvolvimento futuro desses Países?
FN - A coordenação em teoria cabe às Nações Unidas. No terreno perante a urgência da situação cada instituição faz o seu melhor. Assim é também com a AMI. Resta esperar que as enormes promessas feitas se concretizam ao contrário do que tem acontecido até hoje bastando apenas referir o caso do terramoto no Irão, em Bam, há um ano atrás onde até agora chegaram apenas pouco mais de 5% do montante financeiro então prometido. Nesse sentido espero que o povo português não se esqueça que o Sri Lanka não é mais do que a famosa ilha de Taprobana citada por Luís Camões nos Lusíadas.
TRÍMERO TEMÁTICO:
VP - Pobreza: um fim (im)possível? Antídoto...
FN - O combate à pobreza é possível. Bastaria apenas menos indiferença e mais vontade e determinação políticas.
VP - Jerusalém: Cidade da Paz vs. Cidade de Guerra...
FN - Jerusalém terá de ser necessariamente uma cidade de paz onde as três religiões monoteístas verão respeitados os lugares mais santos da humanidade.
VP - Cancro na Próstata: 134.000 casos em Portugal (ano 2001)...
FN - Um dos três cancros mais temíveis para o homem, juntamente com o dos intestinos e pulmões. A única solução reside numa despistagem mais agressiva e no tratamento precoce.
ASPECTOS DE ELEIÇÃO
VP - A sua missão mais bela...
FN - Nepal 95 pois perante os Himalaias somos reduzidos à nossa insignificância.
VP - A sua missão mais aterrorizadora...
FN - Leste do Zaire em 1994 após o genocídio Tutsi.
VP - O melhor acontecimento para 2005...
FN - Que os políticos a nível global sejam tocados por um raio de humanidade e de dignidade.
VP - Um(a) Defensor(a) das Causas Humanitárias...
FN - Os missionários, sejam eles religiosos ou leigos.
Entrevista de
ANDRÉ RUBIM RANGEL
rangel@aeiou.pt