[ Liturgia ]



    Uma Leitura dos Textos Bíblicos

    "Foi elevado ao Céu e sentou-Se à direita de Deus"


    1.ª Leitura (Act 1, 1-11): “Elevou-Se à vista deles”
    O início dos Actos dos Apóstolos apresenta a transição do tempo de Jesus para o tempo da Igreja, sempre na continuidade: o início da Igreja e da actividade apostólica dependem directamente de Jesus Cristo, que perpetua a sua presença na comunidade.
    A ascensão de Jesus ao Céu - por outras palavras: a sua glorificação e exaltação junto de Deus - é aqui apresentada numa linguagem simbólico-narrativa, que recorre a conceitos de espaço e tempo que dão vivacidade ao relato: "Dito isto, elevou-Se à vista deles e uma nuvem escondeu-O a seus olhos". Esta terminologia tem subjacente uma imagem do universo concebido em três andares: céu, terra e infernos. Destaque para alguns elementos narrativos típicos das "teofanias" bíblicas (manifestações divinas): a elevação do Senhor, a nuvem (cf. Ex 13,22; 24, 15-18; Lc 9, 31-34; 21, 27; 1Tes 4, 17) e os "dois homens vestidos de branco", que sublinham a glória subjacente ao acontecimento.
    O relato de S. Lucas compreende-se melhor à luz do episódio do arrebatamento de Elias ao céu (cf. 2 Rs 2). A Eliseu, que lhe pedia duas partes do seu espírito, o profeta Elias promete que tal sucederá se ele vir o seu arrebatamento. No relato da ascensão dos Actos, Jesus aparece como novo Elias, fazendo dos seus apóstolos herdeiros espirituais, prometendo-lhes o dom do Espírito que os fortalecerá no testemunho.
    As palavras finais dos Anjos apelam também para o reconhecimento da presença perene do Ressuscitado pelo seu Espírito e ao empenhamento no projecto do Reino inaugurado em Cristo, que se estabelecerá definitivamente na sua vinda definitiva.
    Assim, o relato da Ascensão é uma preparação e abertura do dom do Espírito no Pentecostes (cf. Act 2, 1-4). Será este dom que ajudará a ultrapassar a falsa concepção de reino centrado na restauração nacional de Israel (cf. v. 6) e dinamizará o testemunho universal da Igreja que parte de Jerusalém até aos confins da terra (cf. v. 8), até Roma, o centro mundo de então (cf. Act 28, 14-21).

    Evangelho (Mc 16, 15-20): Ide! Eu estarei convosco!
    O Evangelho foi retirado do epílogo canónico de Marcos (cf. Mc 16, 9-20), uma espécie de apêndice, inserido neste Evangelho no século II, tentando preencher a sua pretensa lacuna pascal. O texto centra-se na aparição aos onze. Este terceiro momento da narração (terceira aparição) mostra-se decisivo: Jesus surpreende, sem mediações, a incredulidade dos onze. No fragmento que a liturgia nos apresenta podem distinguir-se duas partes:
    - O envio dos onze e os sinais da fé (vv. 15-18). O envio (v. 15) é universal e cósmico. Os onze são enviados a todo o mundo/ a toda a criatura. Marcos não alude aos povos distintamente (cf. Mt 28, 19), mas fala do cosmos e da humanidade no seu conjunto, enquanto campo aberto à pregação missionária (cf. Cl 1, 6.23). Ao envio, segue-se o julgamento em paralelismo antitético (v. 16): a fé e o Baptismo, consequentes ao anúncio da palavra, assumem-se como meios essenciais para a salvação. Por fim, temos os sinais da fé: exorcismos, curas, glossolalia e imunidade a serpentes e venenos. Num mundo hostil, os que acreditarem serão capazes de propagar universalmente a palavra, superando o poder do mal e ajudando os outros a viverem. Estes sinais revelam a eficácia da missão universal deixada por Jesus, porquanto a palavra converge numa acção claramente transformadora.
    - A ascensão de Jesus e a execução do mandato pelos onze (vv. 19-20). A exaltação do ressuscitado revela a sua entronização junto de Deus como Senhor. O Filho de Deus, depois de oferecer aos homens a salvação pascal e enviar os onze a anunciá-la, pode agora regressar ao seio do divino. Os onze, por seu lado, empreenderam de imediato o mandato de Jesus, contando com a assistência d'Ele, eternamente presente. Na verdade, a ausência de Jesus pela ascensão, possibilita uma nova forma de presença: quando "foi elevado", eles reconheceram a sua força, dando credibilidade à palavra com milagres. O mesmo Senhor que envia os seus discípulos permanece com eles e actua através deles. Assim se inicia a história e a vida da Igreja na fidelidade ao mandato do seu Senhor.

    2. Leitura (Ef 4, 1-13): "A medida de Cristo na sua plenitude" (opcional para Ano B)
    Esta perícope, refere-nos a edificação da Igreja de Cristo na unidade, baseando-se no único Senhor que confere a pluralidade dos seus dons à Igreja para os diversos serviços e ministérios. Podemos distinguir facilmente duas partes nesta passagem:
    - A unidade no amor (vv. 1-6). Paulo apresenta primeiramente as exigências da unidade: a humildade que vence o egoísmo divisor; a mansidão, que favorece a união pelo amor; a paciência perante as dificuldades e os atentados à unidade. Em seguida, evoca um conjunto de fundamentos da unidade da Igreja. Merece particular destaque a referência às três pessoas da Santíssima Trindade - um só Espírito, um só Senhor, um só Deus e Pai de todos - porquanto remete a unidade da Igreja para a sua verdadeira fonte: a unidade do Deus Trino.
    - A diversidade de dons (vv. 7-13). A unidade da Igreja existe na diversidade de dons e ministérios. Não pode confundir-se com uniformidade, nem anulação da diferença. Neste sentido os serviços que existem na Igreja - Paulo cita vários ligados ao ministério da palavra (cf. v. 11) - visam a edificação desta unidade, colocando a comunidade no mesmo caminho de fé e do conhecimento de Jesus Cristo, um conhecimento vivencial e comunional, próprio do seguimento.
    A relação desta leitura com a Solenidade da Ascensão resulta da citação (de leitura facultativa) do Sl 68, 19, segundo uma interpretação rabínica: "Subiu às alturas, sujeitou um grupo de cativos, concedeu dons aos homens". Segundo essa exegese, o texto referia-se a Moisés que subiu ao Sinai para receber a Lei e a dar ao povo. O Pentecostes judaico celebrava este dom da Lei. Numa interpretação cristológica, Cristo glorificado subiu ao céus e concede o Espírito, presente à Igreja nos ministérios que a edificam. Este texto mostra-nos a profunda ligação entre a Páscoa de Jesus e a vida da Igreja, porquanto provêm da exaltação pascal de Cristo os dons e ministérios que edificam a sua Igreja.