Rui Osório *
Não quero ser daqueles que, nos evangelhos, censuram, escandalizados, o perfume derramado por uma mulher em Cristo, como prenúncio da sua morte e sepultura que valeram a redenção. Sei também que o Real Madrid é gerido privadamente e não está dependente dos investimentos públicos nem dos impostos. Mas, ainda assim, concordo com o diário desportivo catalão Sport que titulava a contratação de Cristiano Ronaldo pelo Real Madrid na sua primeira página com esta exclamação: Que escândalo!.
A transferência de Cristiano Ronaldo do Manchester United para o Real Madrid teve impacto na Imprensa desportiva e financeira face aos valores envolvidos.
O Real vai pagar quase cem milhões de euros ao Manchester e Ronaldo vai facturar uma mensalidade inimaginável para o comum dos mortais: 25 mil euros (cinco mil contos, na moeda antiga) por dia.
Dir-se-á que o diário Sport segue a linha do Barça e sofre de dores de cotovelo. Seja. O que dizia a seguir dá para reflectir: É ético pagar 94 milhões por um jogador em plena crise? Onde arranja Florentino Pérez dinheiro para estas contratações? Como vai o Real Madrid fazer frente a uma dívida de 700 milhões de euros?.
O Real Madrid gosta de equipas de galácticos. Pouco antes de Cristiano Ronaldo já tinha contratado Kaká, gastando, em poucos dias, 160 milhões de euros. Os dois são vedetas ou vítimas de um mercantilismo desmedido que não olha a meios para atingir os seus fins, reduzindo as pessoas a moedas de troca?
Reduzido a cifrões, Cristiano Ronaldo, o puto maravilha, será um escândalo para milhões de desempregados em Espanha que lutam por um mínimo de dignidade. Tinha razão o Jornal de Notícias ao lembrar as contas feitas pelo Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas (PAM), reveladas por Greg Barrow, relações públicas do PAM, desta maneira: Podíamos conseguir, agora mesmo, alimentar 8,6 milhões de bocas esfomeadas na Etiópia até final do ano; ajudar dois milhões de pessoas no Paquistão; pagar refeições escolares a crianças carenciadas e financiar os projectos do PAM no Burquina Faso, Cambodja, Guatemala e Suazilândia durante um ano. Greg Barrow admira Cristiano Ronaldo, mas deixa no ar, estupefacto, a pergunta inquietante: Mas 93 milhões?!.
Façam ao menos de Ronaldo embaixador das causas do PAM, como já fizeram de Kaká.
Dir-se-á que se Cristiano Ronaldo não fosse assim transferido o mundo dos pobres continuaria na mesma. É verdade, se, em alternativa, quem tanto esbanja não tiver a lucidez para a globalização efectiva da solidariedade, que passa também pela justa aplicação de capitais com função social e como garantia de desenvolvimento sustentado.
Será que a crise económica ainda não foi suficiente para descobrirmos alternativas ao abismo entre os que têm tudo até ao desperdício daquilo que falta a tantos que morrem à míngua?
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