[ Especial ]



    Padre Baptista fez do Calvário um lugar de Redenção

    Margarida Martins Alves


    "Quando vejo alguns dos nossos doentes amigos dos Outros, tão disponíveis, tão sinceros na dádiva de serviços simples aos que mais deles carecem, fico contente e encaro-os como verdadeiros profetas do nosso tempo, em que os valores rareiam. A descoberta da riqueza, que é o "simples" na sociedade de hoje está por fazer."
    Padre Baptista



    O Padre Baptista foi sempre meu amigo! E que grande amigo! Quando casei ele esteve presente e a sua prenda foi invulgar e, para "nós", preciosa: Levou para o Calvário uma velhinha louca, esfarrapada que andava sem rumo, pelos caminhos da minha aldeia. Ninguém a queria, ele aconchegou-a. Milagres de Deus que nos ajudam a acreditar no Seu Amor.
    Ao completar 50 anos de sacerdote o Padre Baptista merece uma palavra de gratidão que não chegará, nunca, para dizer a grandeza de uma vida dedicada aos doentes e deficientes, rejeitados pelo mundo e por ele acolhidos, tornados capazes, dentro das suas limitações, fazendo do Calvário um lugar de redenção.
    Padre Baptista não quer homenagens nem fotografias, como é norma dos padres da rua:
    "Sabemos que o mundo utiliza estas manifestações para elogios, estímulos e vanglórias. Detestamos umas e outras coisas à maneira do Evangelho ". Fiz-lhe ver, porém que as boas notícias têm de ser anunciadas e que a luz não se fez para ser colocada debaixo do alqueire.
    O Padre Acílio que está em Paço de Sousa e é por assim dizer o "Chefe de Família" diz que o Padre Baptista precisa de um Cireneu. Se precisa, mas é difícil. Nós sabemos. Dias há que não têm quem faça a comida para todos eles. No livro intitulado Calvário, Padre Baptista refere algumas coisas que podem parecer duras, mas são verdades...vale a pena ler.
    Na maravilhosa quinta em Beire, Paredes, que uma grande alma um dia ofereceu a Pai Américo, o meu amigo tem feito nascer beleza em cada recanto. A natureza exulta neste Calvário de Amor onde os mais abandonados da sociedade encontram o conforto o estímulo e o sentido da vida. Ninguém ali é "coitadinho" todos são úteis.
    "Eu não gosto de doentes!" - dizia-me um dia destes o Padre Baptista. Espantada, até pensei que brincava comigo. Mas ele explicou o paradoxo: "Não gosto de doentes e por isso tento que não o sejam. Aqui não há doentes nem se fala em doenças, todos são valorizados contribuindo dentro das suas capacidades para o bem da comunidade. São mais felizes, melhoram e vivem mais tempo". Com Deus o impossível torna-se possível. Ide e vede!
    Apesar de tudo já foi julgado por enterrar os mortos e quase o foi, também, por cuidar dos vivos. Daí as palavras de Padre Acílio na sua homenagem ao sacerdote "cujo coração pôs de pé, assegurou e manteve, ao longo deste meio século este Calvário de redenção". "Uma obra de doentes, para doentes, pelos doentes só o Espírito Santo é capaz de animar e só uma vocação pobre, humilde perseverante e disponível, consegue ser coração para todos!... O mundo persegue-o!... porque não entende, não percebe não acredita e não é capaz. Com as suas leis e jogos próprios de agnósticos tenta impor directrizes inconsequentes ao próprio pensamento e à visão mais avançada da natureza humana.
    O Calvário é uma obra de Deus na Igreja e uma manifestação limpa da caridade cristã. Quantas centenas de abandonados que ninguém cuidou, nenhum poder, nenhum regime e nenhuma instituição, encontraram no Calvário a última doçura dos seus dias, o conforto e alívio das suas dores e a porta do céu!?...Quantas centenas?! E isto sem um tostão ou um cêntimo do Estado, que ainda ali vai lamber, investigar e acusar".
    Ainda que não goste de parabéns, meu bom amigo padre Baptista, deixe-me dizer-lhe, pelo menos, muito obrigado pelo seu testemunho de vida, por nos mostrar a maneira de ver Cristo nos irmãos. Deixe-me agradecer a Deus o dom precioso da sua vida e os dons que lhe concedeu e os quais tão bem soube fazer render.



    São muitos os doentes a tomar-me pela mão para que vá confirmar o seu trabalho:- Venha ver o que eu já fiz?
    Este gosto pela apreciação do que vão realizando é a expressão clara do amor que eles põem naquilo que fazem.- Eu gosto de trabalhar! dizia-me há dias a Maria do céu.
    O trabalho, hoje em dia, é tido apenas como meio de obter vantagens financeiras, compensações monetárias. Por isso, ele é penoso, fatigante e até, ás vezes antipático. Se de modo ardiloso e rápido se puder auferir, sem trabalho, o mesmo resultado, isso surge como óptimo para muitos. Quase ninguém trabalha hoje desinteressadamente, nem os filhos pelos pais.
    Excerto de um artigo intitulado "Atitude" assinado por Padre Baptista.
    Jornal "O GAIATO", 26 de Junho de 2004