Poesia com flores de esperança
Contrariando o que por vezes se afirma, que ninguém lê poesia, a Editorial 100 tem vindo a insistir na publicação de poetas que se vão afirmando enquanto tais, fora dos circuitos habituais da poesia oficial (quer dizer: publicada em Lisboa, por editores de lá que seleccionam os autores que conhecem das suas tertúlias).
Depois de Amores (quase) perfeitos e outras arritmias (2002), João Manuel de Oliveira Ribeiro (talvez o nome seja demasiado longo para poeta, mas haverá que pensar em Sophia de Mello Breyner Andresen...), do qual aqui logo falámos, por entendermos que o autor se revelava como um poeta das coisas essenciais, surge agora um daqueles títulos anti-poéticos, que se têm vindo a tornar comuns e que às vezes são os mais poéticos de todos (ocorre-me o de Pedro Tamen intitulado Tábua das matérias), como é este Livro de explicações. Será que a poesia explica alguma coisa, ou se explica a si mesma? Ou que tudo pode ser explicado pela poesia?
Os poemas (breves, por isso densos) deste livro organizam-se em três conjuntos: explicação das casas e outros frutos; explicação dos dias e das estações; explicações escassas e outros silêncios.
Na apresentação do volume, feita em seu tempo por Jorge Teixeira da Cunha, director da Faculdade de Teologia, salientou ele alguns dos temas que organizam globalmente o sentido dos poemas: a terra e as vivências telúricas (não é em vão a presença de uma dedicatória a Miguel Torga), em poemas em que se recordam frutos e árvores; os tempos e as suas relações com as vivências humanas, em poemas como "arco-íris"; e a presença do silêncio como sugestão de palavras, imitando Rilke: "a mensagem incessante que é feita de silêncio": não é em vão que há três poemas chamados "silenciário"... É um pulsar de vida que a poesia manifesta, nas suas estranhas relações entre o corpo e o espírito, entre a terra e o humano, e entre este e o divino. (CF)
João Manuel de Oliveira Ribeiro, Livro de Explicações, Porto, Ed. 100, 2003. 96 p.
Flores de esperança
Com ilustrações de Anabela Dias, publica o mesmo autor um outro livro de poemas, estes de clara inspiração em temas bíblicos e nos tempos litúrgicos. Leva o título de Pequenas flores brancas de esperança (se bem recordo, é um verso de um hino da Liturgia das horas). Assim, manifestam-se os grandes temas do Advento ("maranatá", silêncio, paz, alegria, João Baptista e Maria) da Páscoa ("ofício pascal") e de novo os temas da natureza e da vida (arco-íris, grão de trigo, corpo e pessoa).
È uma poesia que pode ser oração, paraliturgia, celebração. As ilustrações centram-se na alma do poema, procurando dilucidar pela imagem, sugestiva, esbatida, a visão poética. É significativa a recordação pelo autor de dois outros poetas dos mesmos mistérios: José Augusto Mourão e Lopes Morgado.
Eis uma das suas sugestões, onde se mistura a natureza, a vida, a fé e a procura:
Do interior da planície
Ao coração da montanha
Perguntamos por TI
Busco-te
Os sulcos das veredas comuns
Busco-Te
A carícia do tempo
Busco-Te
O corpo feliz da terra
procurar-Te
na esperança
encontrar-Te
Deus que procura e se encontra
Deus que está e é connosco
Deus humilde e surpreendente
Que veio comigo do interior da planície
Ao coração da montanha.
(CF)
João Manuel de Oliveira Ribeiro, Pequenas flores brancas de esperança (poesia). Porto, ed. do Autor, 48 p. Ilustrações de Anabela Dias.
Outras obras oportunas
Dar é receber - Eis o título de um novo volume da autoria de Mário Salgueirinho, na qual se reúnem as crónicas emitidas na "Oração da Manhã" da Rádio Renascença, algumas das quais foram também publicadas na Voz Portucalense.
Os leitores conhecem já o estilo do autor, que se socorre, à boa maneira dos mestres antigos, de pequenos exemplos, episódios ou temas das sabedoria tradicional, para deles retirar pequenas lições para a vida. Sabemos como os antigos usaram as fábulas (como Esopo e Fedro), ou os apólogos (como Francisco Manuel de Melo) como processo de reflexão sobre a condição humana e para sugerirem caminhos de relacionamento ético ou moral. Nesta linha de inscrevem as presentes crónicas, sem dúvida úteis para reflexões do quotidiano, ou para livro de cabeceira, para ajudar a adormecer com o sinal de esperança ou de paz interior. O título nasce de uma crónica publicada na VP de 3 de Dezembro de 2003.
Mário Salgueirinho, Dar é receber, Porto, ed. do autor, 2003. 175 p.
Vida Matrimonial - Com o título Imaturidade afectiva e psicologia na vida matrimonial publica o Centro de Estudos de Direito Canónico, como primeiro número de uma colecção intitulada "Cadernos Forum Canonicum". É certamente interessante que um Centro de Estudos de Direito Canónico se preocupe em publicar um estudo do foro psicológico: salienta-se que, se o Direito é algo que tem a ver com as instituições, não deve esquecer nem esquece a essencial dimensão pessoal e psicológica. Será talvez este o aspecto mais significativo desta publicação, que aborda dois aspectos: a desenvolvimento psicológico e a imaturidade afectiva; e a incompatibilidade de caracteres e a sua repercussão no matrimónio. É pois uma perspectiva inovadora, que faz interagir a psicologia e o direito, procurando talvez retirar a este o seu aspecto meramente técnico-jurídico, para evidenciar que este campo estão sempre em jogo as realidades humanas mais profundas: a pessoa, o relacionamento, o amor.