C. F.
A Universidade do Minho realizou em 14 e 15 de Dezembro de 2006, no seu Salão Medieval, em Braga, um colóquio dedicado á obra de investigador em matemática de José Anastácio da Cunha (1744 -1787). O colóquio foi motivado pela a descoberta de manuscritos matemáticos inéditos daquele cientista e poeta, que se encontravam no Arquivo Distrital de Braga, o qual considerou que «chegou a altura de partilhar este achado com uma audiência mais vasta». Este colóquio teve como propósito juntar pessoas interessadas, nos âmbitos da História, na Filosofia, na Literatura e na Matemática, em torno da obra de José Anastácio da Cunha.
Os manuscritos matemáticos inéditos de José Anastácio da Cunha foram recentemente encontrados no Fundo Barca-Oliveira do Arquivo Distrital de Braga e um primeiro estudo destes manuscritos tem vindo a ser feito por um grupo de investigadores (das universidades do Minho, Porto, Coimbra, Lisboa e Évora) interessados em História da Matemática em Portugal e, em especial, na obra matemática de José Anastácio da Cunha.
Lamentavelmente não nos foi possível participar neste colóquio. Mas não deixa de ser sedutor pensar ou repensar o papel deste lente de Matemática que foi um dos maiores poetas do seu tempo, tido como um dos principais precursores do romantismo em Portugal.
A sua obra mais notável, escrita ou ao menos divulgada enquanto era assistente do curso matemático e regente dos estudos do colégio de S. Lucas da Casa Pia de Lisboa (onde entrara graças à acção de Pina Manique), chama-se Principios Mathematicos, dos quais onde alguns fascículos já serviam para leccionar a disciplina. Deve-se também a Anastácio da Cunha o plano de estudos da Casa Pia antes do ano 1783 que pretendiam fornecer aos alunos fortes bases científicas. Sabe-se ainda que, quando morreu, Anastácio da Cunha já não exercia quaisquer funções na Casa Pia pois o seu cargo já tinha sido extinto.
Da sua vida social e cultural, sabe-se que frequentava os saraus literários no palácio da família Freire de Andrade. Acabou por morrer de um ataque biliar a 1 de Janeiro de 1787, portanto dois anos antes de estalar a Revolução francesa. Tinha então 43 anos de idade. Viveu os últimos tempos da sua vida angustiado e amargurado com as injustiças e ingratidões de que sempre foi alvo, tendo sido mesmo perseguido pela Inquisição, certamente proque muitas das suas teorias de científicas colidiam com princípios tradicionalmente instituídos, acusado de "libertino", "deísta" e "indiferentista" e de corromper a mocidade com a sua eloquência.
Os Principios Mathematicos só foram publicados posteriormente, no ano de 1790. Sabe-se no entanto que a obra exerceu algum impacto entre a comunidade matemática europeia em virtude de ter sido também conhecida em tradução francesa.
Para além desta obra de fundo, José Anastácio da Cunha deixou várias outras obras sobre assuntos matemáticos e físicos, incluindo um Ensaio sobre os princípios da Mechanica, também publicado postumamente, bem como uma Carta Fisico-Mathematica, que foi publicada no Porto, em 1838.
O seu valor foi reconhecido por muitos, entre os quais Alexandre Herculano, que salienta quanto injusta foi a Pátria para este homem de ciência e de cultura, escrevendo num texto recolhido na Antologia do Pensamento Político Português (dirigido por Joel Serrão), o seguinte "Foram vítimas e testemunhas desse sistema do baixo-império, desse governo de eunucos imorais, de salteadores ilegítimos (...), José Anastácio da Cunha (...) e tantos homens que a glória vingou dos velhacos corruptos, que reduziram esta nação livre, forte e respeitada há quatrocentos anos a ser, como era já na segunda década deste século, a fábula e o escárnio das gentes".
Foram no entanto primeiro os homens das letrras e descobrir o interesse da obra de Anastácio da Cunha, dando a sua vida origem a reflexões de Camilo Castelo Branco que lhe dedica textos nas suas Noites de insónia, e sobretudo Aquilino Ribeiro, que escreveu uma crónica romanceada da sua vida, chamando a Anastácio da Cunha, O Lente penitenciado.
Os seus méritos literários passam também pela poesia, que muitos críticos consideram uma das mais interessantes entre os precursores do romantismo, como sejam Filinto Elísio, a Marquesa de Alorna ou o próprio Bocage. As vivências das dificuldades e das incompreensões aguçam muitas vezes o engenho literário ou poético. Que o digam o Camões ou o mesmo Cervantes. Traduziu ainda obras estrangeiras de crítica literária de várias obras em prosa, mesmo textos anónimos ou apócrifos.
Eis um dos seus poemas em que manifesta este desalento da vida que foi áspera e ignara:
Tantos anos de amor na prisão dura.
padecendo martírios cento a cento.
já sair não espero da amargura.
nem para me queixar já tenho alento.
Informam-te da minha desventura
os ecos dos meus ais. Ah ! Se algum vento,
benigno a teus ouvidos, porventura,
levar alguns, tem dó do meu tormento.
Se deres algum pranto à crueldade
do meu mal, poderei menos senti-lo:
teu pranto abrandará sua impiedade.
Louco, que peço? Basta que, ao ouvi-lo.
te enterneças. Ao menos, por piedade,
basta que digas: Mísero Mertilo?