Pacheco Gonçalves
Questões de ontem e de hoje
Em finais de 1898, com 88 anos de idade, Leão XIII ainda encontrou forças para convocar um «Concílio Plenário da América Latina», a realizar em Roma com todos os Bispos daquela vasta região do Novo Mundo. E escrevia na Carta de convocação: «No longo percurso do nosso pontificado [20 anos passados, outros cinco lhe restavam], parece-nos nunca ter omitido nada que pudesse contribuir para afirmar e estender o reino de Cristo entre os povos». Na sequência das recentes celebrações do quarto centenário da descoberta da América, que mais se poderia fazer? - interrogava-se. Levar a «consultar-se entre si», sob a autoridade papal, todos os bispos daquela região aparecia como o melhor modo de «assegurar àqueles povos, unidos pela afinidade de raça, a unidade da disciplina eclesiástica», fazendo «prosperar a moral católica» e «florescer publicamente a Igreja».
A assembleia realizou-se em Maio-Junho de 1899 com a participação de 54 bispos. Promulgando, logo em Janeiro de 1900, os respectivos Decretos, Leão XIII congratulava-se com os bons resultados da iniciativa, verdadeiro exercício - como hoje diríamos - da colegialidade episcopal: «Ninguém pode conhecer melhor as necessidades de cada uma das suas Igrejas do que aqueles que o Espírito Santo designou para as governar; e a mútua comunicação dos pareceres de tantos Pastores não pode deixar de dar eficácia e valor aos seus esforços para proteger os fiéis dos perigos, robustecer a disciplina e promover o bem do clero e do povo».
Para além de ampla formação teológica e cultural e de certa largueza de vistas favorecida pelas viagens que o tinham levado (quando Núncio em Bruxelas) a Paris, Londres e Colónia, Leão XIII contava com a prolongada experiência episcopal de bispo de Perúsia durante 32 anos. O seu pontificado papal revelou uma atitude predominantemente positiva de atenção ao mundo da cultura e da ciência, da economia e da política, propondo uma visão crítica das realidades terrestres não isenta dos condicionalismos da época, mas sem a dureza e intransigência de tomadas de posição do seu antecessor Pio IX ou do seu sucessor Pio X.
Sem antecipar abertamente a eclesiologia do Vaticano II, Leão XIII pôs contudo as bases para todo um aprofundamento e abertura nos mais diversos domínios: dos estudos teológicos à doutrina social, do ecumenismo à acção missionária. Um século depois, evocando este acontecimento, teve agora lugar no Vaticano um Simpósio histórico sobre «Os últimos cem anos da evangelização da América Latina», onde, de entre os muitos aspectos da questão, se abordaram também as relações entre a Sede Apostólica e a Igreja Católica que está nos países latino-americanos. Uma relação nem sempre isenta de tensões.
Limitações e estreitezas
No que diz respeito às relações do Papado e da Cúria romana com os episcopados locais, merecem referência dois casos recentes. Antes de mais a Carta que João Paulo II dirigiu aos Bispos Alemães a propósito da assistência prestada pelos consultórios de instituições católicas a grávidas em dificuldade. Uma questão que se arrasta desde há anos e que levara, em tempos, à realização no Vaticano de uma reunião de Bispos da Alemanha com Cardeais da Cúria.
Em Janeiro do ano passado, o Papa escrevera uma primeira Carta ao episcopado alemão indicando a orientação que entendia dever ser seguida no caso. Para cortar pela raiz qualquer risco de ambiguidade sobre assunto tão importante, a carta agora enviada por João Paulo II dita textualmente a frase que terá que ser incluída nos papéis fornecidos pelos consultórios da Igreja Católica alemã: «Este certificado não pode ser utilizado para a execução despenalizada do aborto».
Naturalmente que o presidente da Conferência Episcopal, Karl Lehmann, bispo de Mogúncia, garantiu aos jornalistas que os bispos aplicarão todas as directrizes do Papa. Contudo, é de supor o embaraço criado por esta maneira de agir.
Outro texto recente, de tom menor mas relativo ao episcopado do mundo inteiro, é a carta da Congregação para os Bispos com indicações a respeito do processo a seguir para a publicação de documentos de Comissões Episcopais ou das Conferências como tais. Embora se proclame a responsabilidade dos Bispos no anúncio e aplicação do Evangelho às situações concretas, subsiste a impressão de que se deseja que estes se limitem a fazer seu o magistério papal. O que, para não dizer outra coisa, já passa das marcas.