[ Liturgia ]



    O nosso cordeiro pascal imolado é Cristo!


    Vem de longe a celebração da páscoa dos Hebreus. Ela resulta da fusão de antigos rituais de primavera de populações nómadas (o cordeiro) e sedentárias (a semana dos ázimos). O sentido geral destas festas arcaicas era o da renovação, regeneração, vida nova. Entretanto, o Povo de Deus da primeira Aliança renovou de forma radical o conteúdo destas festividades: em vez dos ritmos da natureza passou a celebrar o memorial de acontecimentos históricos e, principalmente a intervenção libertadora de Deus. Por isso, ao falar da «páscoa» hebraica, devemos distinguir o acontecimento pascal e o rito da Páscoa.
    O acontecimento pascal era, globalmente, o êxodo, no qual se destacam três momentos «pascais» por excelência: a "passagem" nocturna de Javé pelo Egipto (a morte dos primogénitos: Ex 11-12), decisiva para a libertação do povo hebreu; a "passagem" do Povo através do Mar (Ex 14); e a passagem à situação de «Povo de Deus» mediante a celebração da Aliança, no Sinai (cf. Ex 19-24), ponto de chegada da libertação pascal.
    O "sacramento" pascal consistia na solene vigília, na noite da lua cheia do mês lunar da Primavera, em que se comia o cordeiro e se inaugurava a semana dos ázimos. Com esta «solenidade», os israelitas faziam o memorial, isto é, a experiência celebrativa da actualidade da salvação realizada por Deus nos acontecimentos do êxodo (e noutros momentos-chave da história do Povo). Ao mesmo tempo antecipavam o futuro em que a libertação seria plena e definitiva. Para além dos alimentos rituais, esta singular refeição religiosa constava (e consta) de relatos, hinos e orações que diziam e alimentavam a memória (êxodo) e a esperança dos comensais.
    Quando dizemos que Jesus Cristo «cumpriu» a Páscoa, não nos limitamos a afirmar que Ele, como bom hebreu, seguiu religiosamente as observâncias pascais do seu povo. Jesus foi mais longe no seu «cumprimento» ao dar um novo e definitivo conteúdo a tudo aquilo que a Páscoa do AT anunciava e prometia. E este «cumprimento» pleno foi realizado quer ao nível da Páscoa-acontecimento, quer ao nível do memorial litúrgico que a sacramentaliza.
    Antes da redacção dos Evangelhos, por volta do ano 55, já S. Paulo interpretava a morte de Cristo como sacrifício pascal: «a nossa Páscoa, Cristo, foi imolada» (1 Cor 5, 6-7). Esta frase pode ser traduzida de outros modos, sem trair o sentido original: «O nosso cordeiro pascal imolado é Cristo»; «Cristo imolado é a nossa Páscoa (= cordeiro pascal)». Mas é no Evangelho de João que Jesus aparece da forma mais inequívoca a cumprir a «páscoa-acontecimento». Morto na Cruz, na hora em que no templo se imolavam os cordeiros para a Ceia, não lhe quebraram as pernas para que nele se cumprissem as prescrições relativas ao cordeiro pascal: «nenhum osso lhe será quebrado» (Jo 19, 36; cf. Ex 12, 46). Jesus, portanto, deu pleno cumprimento à Páscoa antiga no plano real-existencial: a sua morte na Cruz foi a imolação do novo e definitivo Cordeiro pascal; a sua ressurreição é o termo que revela o sentido da Sua Páscoa: «passagem deste mundo para o Pai»; finalmente, com o dom do Espírito, fruto pleno da Páscoa de Cristo, instaura-se a nova e definitiva Aliança: do lado do Cordeiro imolado nasce a Igreja que vive do Espírito e segundo o Espírito (a nova Lei...) e, no Espírito, experimenta a presença do Ressuscitado.
    Mas, ao «cumprir» a Páscoa, Jesus não passou ao lado da dimensão ritual-sacramental. E, assim, antes de «passar deste mundo para o Pai», Ele deixou aos seus discípulos um novo memorial, tal como o requeria a radical novidade do acontecimento pascal que estava para cumprir e realizar plenamente na Sua Pessoa. Depois de oferecer aos discípulos, nos sinais do pão partido e do cálice da bênção, o seu próprio corpo entregue e o cálice da aliança no seu Sangue derramado para a remissão dos pecados, o Senhor Jesus acrescentou: «fazei isto em memória de Mim». E, assim, também os cristãos têm um "sacramento" pascal: a Eucaristia é a Páscoa- Sacramento da Igreja, carregada da plenitude e da realidade da nova e eterna Páscoa-Acontecimento. Por isso, comenta S. Paulo: «Todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciareis a morte do Senhor - isto é, do Ressuscitado! - até que Ele venha» (1 Cor 11, 26).

    S.D.L.