CARTA AOS PRESBÍTEROS SOBRE A OBEDIÊNCIA
No âmbito do Ano Sacerdotal, o Secretário da Congregação para o Clero, Arcebispo D. Mauro Piacenza, enviou aos Presbíteros a carta que se transcreve. O tema é a obediência.
Caríssimos irmãos no sacerdócio
Ainda que não estejam vinculados pelo voto solene de obediência, os ordinandos fazem a promessa de filial respeito e obediência ao próprio Bispo e aos seus sucessores. Se, por um lado, é diferente o estatuto teológico entre um voto e uma promessa, idêntico é o compromisso moral definitivo e total, idêntica é a oferta da própria vontade à vontade de um Outro: à vontade Divina, eclesialmente mediada. Num tempo como o nosso, fortemente marcado pelo relativismo e pelo democratismo, com vários autonomismos e libertarismos, parece ser sempre mais incompreensível uma tal promessa de obediência. Normalmente é concebida como uma diminuição da liberdade humana, como um perseverar em formas obsoletas, típicas de uma sociedade incapaz da autêntica emancipação. Nós, que vivemos a obediência autêntica, bem sabemos que não é assim. A obediência na Igreja não é contrária à dignidade e ao respeito da pessoa e não deve ser concebida como uma subtracção de responsabilidade ou como uma alienação.
O Ritual latino utiliza um adjectivo fundamental para a justa compreensão de tal promessa. Define a obediência somente depois de ter inserido o respeito, devidamente adjectivado com filial. Ora, o termo filho em todas as línguas é um nome relativo, que implica a relação entre o pai e o filho. Justamente neste contexto relacional deve ser compreendida a obediência que um dia prometemos. O pai, neste contexto, é chamado a ser realmente pai, e o filho, a reconhecer a própria filiação e a beleza da paternidade que lhe é doada. Tal como informa a lei natural, ninguém escolhe o próprio pai e, da mesma forma, ninguém escolhe os próprios filhos. Somos, portanto, todos chamados pais e filhos a ter uma visão sobrenatural, de grande misericórdia recíproca e de grande respeito. Trata-se de ter a capacidade de olhar o outro tendo presente o Mistério bom que o gerou e que sempre, ultimamente, o constitui. O respeito é, em linha de máxima, simplesmente este: olhar a alguém tendo presente um Outro! Só em um contexto de respeito filial é que se torna possível uma autêntica obediência, que não será apenas formal, mera execução de ordens, mas apaixonada, completa, atenta e capaz de gerar frutos de conversão e de vida nova naquele que a vive.
A promessa é feita ao Bispo do tempo da Ordenação e aos seus sucessores, justamente porque a Igreja procura evitar os excessos personalistas. Coloca no centro a pessoa, mas não os subjectivismos que desvinculam da força e da beleza histórica e teológica da Instituição. Também na Instituição, que é de origem divina, habita o Espírito Santo. A instituição é, por sua própria natureza, carismática e, neste sentido, estar livremente ligada a ela, no tempo (sucessores) significa poder permanecer na verdade, permanecer nEle, presente e operante no seu corpo vivo que é a Igreja, na beleza da continuidade temporal, no passar dos séculos, que nos une indivisivelmente a Cristo e aos Apóstolos.
Peçamos à Ancilla Domini que é a obediência por excelência, Aquela que também na anunciação exultou dizendo: Eis-me aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a vossa palavra a graça de uma obediência filial, plena, alegre e pronta; uma obediência que nos livre de todo protagonismo e que possa mostrar ao mundo que é realmente possível doar tudo a Cristo e ser plenamente realizados e autenticamente homens.
+ Mauro Piacenza, Arcebispo titular de Victoriana e Secretário da Congregação para o Clero