[ Liturgia ]



    Comentários aos Textos

    G1ória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo


    1.ª Leitura (Prov 8, 22-31): “Desde a eternidade fui formada, desde o princípio, antes das origens da terra”
    A Sabedoria, no dizer do nosso texto, foi criada. Assim, por mais antiga que seja a sua precedência a todos os demais elementos criados, ela distingue-se de Deus que lhe é anterior e que a criou. Preexiste, porém, a todas as criaturas e assistiu Deus na sua acção criadora. Isto confere-lhe um carácter de testemunha excepcional do Criador e da sua acção para com a criação, ao ponto de exercer uma privilegiada mediação: ela, "a seu lado como arquitecto", assistia o Senhor, na sua actividade criadora; a sua presença estendia-se, todavia também à face da terra, pelo que a sua presença não se restringia a Deus, mas alargava-se à alegria de "estar com os filhos dos homens". Nesta identidade e missão da Sabedoria esboça-se a identidade e missão de Cristo, na sua relação com o Pai, com os homens e com o mundo. Ele é a “Sabedoria que vem de Deus”, o “Primogénito de toda a criatura” e o “Verbo” por meio do qual “tudo foi feito”, figura na qual a personificação sapiencial ganha verdadeira identidade pessoal, não só pela preexistência à criação, mas também pela encarnação que O aproxima das criaturas.

    Evangelho (Jo 16, 12-15): “Quando vier o Espírito da verdade, Ele vos guiará para a verdade plena”
    No decorrer do discurso de despedida, Jesus promete pela quinta vez o Espírito aos seus discípulos. O Espírito revelar-lhes-á as coisas que eles não podem “compreender agora”, sem a luz da glorificação de Cristo. O motivo porque não podem entendê-las não reside no facto de Jesus não ter dado a conhecer tudo o que ouviu do Pai, nem ter apontado a hora da sua glorificação pela morte. Eles, todavia, precisavam da inteligência profunda decorrente da intervenção do Espírito, que havia de iluminar os acontecimentos que estavam prestes a desencadear-se. O Espírito prometido aos discípulos iluminou a Igreja nascente na compreensão plena da glorificação de Cristo e das dificuldades com que se foi deparando. O Espírito não veio revelar-lhe o que faltava, nem simplesmente repetir-lhe o já dito. A sua missão residia antes na interpretação do acontecido de tal forma que a ressurreição desse sentido à vida de Jesus e ao tempo pós-pascal dos discípulos e da Igreja. O Espírito prometido comunicaria Cristo glorificado pelo Pai, transmitiria o que pertence a Cristo pela sua comunhão perfeita com o Pai: “Tudo o que o Pai tem é meu. Por isso vos disse que Ele receberá do que é meu e vo-lo anunciará”.
    O que Espírito havia de dizer não provinha da si mesmo, nem aconteceria por sua iniciativa:
    O Espírito ouviria de Jesus o mesmo que Jesus ouviu do Pai, prolongando para os discípulos a acção do Pai no Filho, a “verdade plena”, manifestada integralmente no Filho, “o caminho, a verdade e a vida”: Cristo é a verdade, porque é a expressão perfeita do Pai para os homens, continuamente desvelada pelo Espírito. A unidade entre o Pai e o Filho fundamenta a continuidade e definitividade daquilo que Jesus disse e diz à Igreja, pela acção do Espírito. Fundamenta a nova ordem das coisas (“aquilo que está para vir”), não no sentido da adivinhação do futuro, mas no sentido da compreensão do sentido da morte e ressurreição de Jesus Cristo, acontecimento inaugural dum tempo novo em que Deus se faz homem totalmente até à morte, para que os homens O reconheçam como caminho aberto em direcção ao Pai.

    2.ª Leitura (Rom 5, 1-5): “Justificados pela fé, estamos em paz com Deus”
    A perícope em causa serve de transição entre a primeira secção da carta (Rom 1, 18 - 4, 25), que percorre o trajecto do pecado de todos os homens à justificação pela fé, e a segunda secção (Rom 5, 1 - 8, 39) que parte da morte que entrou no mundo pelo pecado de um só homem convergindo para vida segundo o Espírito. Assim a fé, elemento central da secção anterior, surge no nosso texto estabelecendo a necessária ligação. Nele são referidos os frutos da justificação pela fé em Jesus Cristo: a paz, entendida no sentido teológico semita de relação com Deus, de plenitude dos bens messiânicos, porque Deus na sua bondade e misericórdia é a fonte de todo o bem; a esperança, entendida como realidade actuante que permite superar as tribulações existentes e eventualmente crescentes, na abertura a um futuro glorioso pelo assumir das responsabilidades no presente; o amor de Deus pelo homem, que culminou na entrega de Jesus Cristo até à morte, no qual se enraíza esta confiança ilimitada, esta esperança que "não engana". Este amor "foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado", estabelecendo Paulo aqui a mais clara e nítida ligação entre o amor e o Espírito Santo. Paulo dá particular relevo ao amor, o alicerce dos outros frutos e o único que configura um movimento puramente descendente, da gratuitidade de Deus para o homem, no Espírito de amor que o derrama.