Em homilia dirigida aos leigos da Diocese
Na celebração da solenidade de Jesus Cristo, Rei do Universo, o Bispo do Porto dirigiu aos cristãos leigos da Diocese, que nesse dia concluíam as suas Jornadas Diocesanas, uma mensagem de que destacamos:
Um sentido novo para a vida
Reunidos nesta catedral em nome de Jesus Cristo, que nos rasga clarões de luz e de esperança, neste modo único e inaudito de Deus se abeirar de nós, aí onde precisamos de ver melhor e mais longe, enxergando um sentido novo e consistente para a vida de todos e de cada um, em qualquer momento dela, em toda a contradição que seja, continuava a exortação:
Que convincente se torna, que mobilizador até, olhar tudo e todos à luz da Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, nossa glória verdadeira e única! Sucediam-se e sucedem-se outras propostas e mil seduções, cuja aparente oferta esconde sempre um novo domínio alheio e certo cativeiro nosso. Vêm daqueles tristes reinos e falsas glórias que o próprio Jesus rejeitou nas tentações primevas. Sejam de teres e haveres, sejam de grandezas e fumos, sejam de aparências e devaneios
É outro o reino que Cristo nos oferece no trono da Cruz: o da constante companhia nas penas e dores da humanidade inteira, não se descolando do madeiro em que as sofre, mas ressuscitando precisamente a partir daí, e incluindo nessa mesma ressurreição e vida nova a quantos o reconhecem e aceitam qual Deus connosco, compaixão de Deus e salvação do mundo.
Centrando-se na mensagem do texto evangélico do dia, passava da lição do passado aos sinais do presente:
Se aceitamos a realeza de Cristo, no trono da Cruz, compreendemos também que a sua substância é serviço e doação da vida, para que esta cresça no mundo e chegue onde quer chegar através das nossas vidas, com Ele identificadas, só e cada vez mais. Num magnífico trecho, felizmente escolhido para o Ofício de Leitura desta solenidade, Orígenes, autor do terceiro século, escreve-nos assim: quando alguém implora a vinda do reino de Deus, o que pede realmente é que o reino de Deus, que está dentro de si, se desenvolva, frutifique e chegue à sua plenitude. Reino que o prefácio desta Missa descreve numa série de itens que são outros tantos pontos de convicção e empenhamento, por necessariamente nos incluírem a nós, em dimensão apostólica e missão no mundo: reino eterno e universal; reino de verdade e de vida, reino de santidade e de graça, reino de justiça, de amor e da paz.
Deste reino e só dele é a Cruz de Cristo activação e símbolo. Por isso a gostamos de olhar e contemplar, tirando dela repetidas lições e muitas luzes. Com ela entendemos Deus no seu amor, com ela nos entendemos a nós em decorrente partilha. Por isso a levantamos, à Cruz, nos nossos templos e casas.
Presença da cruz, na sociedade e na cultura
E também, em cidadania justamente partilhada com crentes e não crentes, gostamos de ver a Cruz em qualquer espaço adequado, mesmo que público, por a reconhecermos como altíssimo sinal de tantas vidas abnegadas ao serviço do próximo. No nosso caso português ela, a Cruz de Cristo, foi até o mais alto símbolo do que fizemos de melhor, na descoberta do mundo e na construção duma humanidade comum. E nem eventuais contrafacções que se tenham verificado da nossa parte, em episódios que a tenham contraditado e ao seu humaníssimo conteúdo, poderiam afastá-la da sociedade e da cultura, porque foi exactamente o regresso à Cruz e aos sentimentos de Cristo que constantemente nos corrigiu e mais longe nos transportou e transporta, como cidadania amável e solidariedade universal.
Outra aplicação, amados fiéis leigos da Diocese do Porto, havemos de tirar da Cruz e do reino de Cristo. E é ela a de que o vosso lugar concreto, na comunidade cristã e na sociedade em que vos integrais segundo a vossa vocação secular, tão específica como oportuna e urgente, da família à profissão, da cultura à vida cívica e pública, só à luz desta solenidade se entende e qualifica.
Apelo aos fiéis leigos: uma eclesiologia de comunhão
Precisamos e ainda precisaremos mais, decerto da vossa colaboração na vida interna da Igreja, para sustentar as comunidades paroquiais, que têm poucos presbíteros e diáconos ao seu serviço. Situação que se poderá agravar nos próximos anos, apesar da muita abnegação pastoral de que o nosso clero dá bastas provas. Pedimos e pediremos mais ao Senhor da messe, muitos e santos ministros ordenados, como pedimos também vocações religiosas e de especial consagração. Mas teremos de contar com a colaboração de muitos de vós, caríssimos leigos, nos diversos sectores da pastoral, da catequese à liturgia, da liturgia à acção caritativa. Havemos de promover ainda mais e formar persistentemente muitos de vós para os ministérios e serviços que a Igreja vos pode e deve conferir, dentro do que as normas canónicas e pastorais contemplam: leitores, catequistas e professores de moral e religião; ministrantes do altar e ministros extraordinários da comunhão; moderadores de assembleias dominicais na ausência ou antes aguardando! presbítero e acompanhantes de funerais; corresponsáveis no sector sócio-caritativo e membros das comissões fabriqueiras, etc.
Contamos convosco, dentro daquele espírito que o Papa Bento XVI referiu em Roma, em recente discurso aos Bispos portugueses: Esta eclesiologia de comunhão na senda do Concílio, à qual a Igreja portuguesa se sente particularmente interpelada na sequência do Grande Jubileu, é a rota certa a seguir, sem perder de vista eventuais escolhos, tais como o horizontalismo na sua fonte, a democratização na atribuição dos ministérios sacramentais, a equiparação entre a Ordem conferida e serviços emergentes, a discussão sobre qual dos membros da comunidade seja o primeiro (inútil discutir, pois o Senhor Jesus já decidiu que é o último).
Sim, caros irmãos leigos, tais escolhos evitaremos à luz da Cruz de Cristo. E assim mesmo avançaremos numa corresponsabilidade cada vez maior, ao serviço da comunidade cristã e da sua missão no mundo.
Porque a urgência da nova evangelização nos impele a aumentarmos a projecção missionária das nossas comunidades, para levar a cada sector específico da sociedade e da cultura a verdade, a beleza e a bondade divinas que refulgem em Cristo. Como nos dizia também o Papa: Tais questões [internas] não nos podem distrair da verdadeira missão da Igreja: esta não deve falar primariamente de si mesma, mas de Deus.
E estou certo de que será o novo ardor no testemunho e anúncio do reino de Cristo que nos fará encontrar também os novos métodos e a nova expressão que este tempo requer. A vontade missionária e apostólica ressurgente nas paróquias, associações e movimentos da Diocese dar-nos-á ainda dois excelentes frutos: ultrapassará os contratempos que sempre surgem quando as comunidades vivem demasiado concentradas em si mesmas e despontará aquelas vocações - ordenadas, religiosas ou laicais - que o Espírito só gera em ambiente de missão.