C. F.
Recebemos notícia da publicação pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa de um estudo que leva por título Escola, Jovens e Media. O estudo era apresentado com a seguinte afirmação Rankings escolares contribuem para a criação de uma visão empresarial da escola, a que se seguiam estas interrogações: Até que ponto a divulgação dos resultados dos exames nacionais gera pressão juntos dos docentes?; O que explica a recente vantagem escolar das raparigas?; Porque se fala tanto em insucesso escolar quando os universitários portugueses apresentam performances superiores aos dinamarqueses, suecos ou alemães?.
Considerando que a divulgação anual dos rankings de estabelecimentos de ensino secundário pelos meios de comunicação social fenómeno relativamente recente na sociedade portuguesa pressiona os docentes a obter bons resultados e obriga-os a encarar a escola como um sistema competitivo no mercado escolar, admite que desta forma os docentes poderão ser obrigados a assumir o que é designado como uma visão empresarial do ensino.
Num outro estudo divulgado neste livro, refere-se que mais de metade dos alunos inscritos no ensino secundário são raparigas, e que apresentam melhores resultados na comparação com os rapazes. Este dado é também já conhecido empiricamente, mas assume maior significado quando apresentado como resultado de um estudo sistemático. Propõe-se como explicação o facto (será?) da escola assumir uma maior importância na construção das identidades das raparigas.
Poder-se-ia dizer que também na sociedade as raparigas são em maior número que os rapazes, e que a escola apenas é expressão desse facto. Já quanto aos melhores resultados (e quem foi professor tem disso um conhecimento factual) parece situar-se mais no maior empenhamento, na menor dispersão e numa inteligência mais prática facilmente observável.
Outro aspecto importante do estudo, que mostra o que sabem as pessoas mais atentas, mas que a comunicação social esquece, pelo facto de isso ser um elemento positivo e portanto objecto de menor atracção pela ânsia do negativo, do deprimente e do insólito ou dramático que procura, é a verificação de que é no sucesso escolar nas universidades portuguesas onde se regista uma aproximação às médias de escolarização na Europa, e que os estudantes portugueses obtêm níveis de qualificação muitas vezes superiores à media europeia. Isso porém não invalida a preocupação indispensável com o insucesso e o abandono escolar.
Estas constatações merecem-nos algumas considerações. A primeira deve causar-nos alguma preocupação: a visão, ou proposta, ou suposição de que as escolas tendem a tornar-se espaços de modelo empresarial. Se isto pode ser vantajoso no que se refere à sua gestão palavra ou conceito de que o ministério tanto gosta e que, sendo uma parte do todo, pretende transformar em todo sem outras partes torna-se lamentavelmente distorcedor quando consideramos a missão que a escola deveria assumir: a formação integral da pessoa, segundo a fórmula ser, saber, saber fazer, saber estar em relação com os outros, do chamado Relatório Delors, e não ser competitivo, tornar-se um elemento amorfo numa estrutura empresarial, ou definir-se pelo critério da rentabilidade para a instituição. Neste sentido não há nada mais despropositado do que uma visão empresarial da escola, considerada enquanto promotora e sede do saber e da Educação.
De facto, felizmente, o Ministério que a tutela ainda se designa Ministério da Educação, e não apenas do ensino, e muito menos ministério de uma qualquer estrutura empresarial ou associação de estruturas empresariais. Esta espécie de mimetismo da empresa desvirtua pois a valência essencial da escola.
Outro aspecto a considerar é o fenómeno novo da divulgação das classificações das Escolas, à qual todos se sentem empresarialmente satisfeitos quando lhe chamam ranking. De facto, sendo isso um fenómeno recente (ainda há pouco ninguém se preocupava em elaborar semelhante despropósito, ainda que desde sempre se tenham feito exames em todas as escolas, e desde sempre se tenham atribuído classificações aos alunos, embora não às escolas), ele resulta da inquietação cada vez maior que se fabrica na sociedade pela mística do êxito, da seriação, da ascensão social, da competição, em suma. Sempre defendemos que o êxito da escola não se pode situar na competição, mas na colaboração, no conhecimento, na competência e na dedicação aos grandes projectos solidários. E também assim tem que ser na sociedade. Uma das maiores causas do desequilíbrio social é que se considere virtuoso este afã da competição e se despreze o sentido da solidariedade e da interacção criadora.
Importa recuperar os conceitos essenciais: e escola como lugar de formação (e não apenas da aprendizagem ou da eficácia), como alfobre dos valores essenciais para o equilíbrio da pessoa, como espaço de orientação e crescimento pessoal.
Meter nisto a estrutura empresarial parece um tremendo equívoco, qual é o de transformar o homem em máquina e a formação em lucro. Materializar o ser humano é reduzi-lo ao mais imediato e esquecer os valores espirituais que são o seu timbre. Por este caminho, nem a escola portuguesa nem a humanidade têm futuro.
A obra em referência, uma colectânea da estudos (Escola, Jovens e Media), publicada pela Imprensa das Ciências Sociais da Universidade, foi organizada por Maria Manuel Vieira socióloga e investigadora do ICS e pretende explorar novos caminhos para a compreensão do lugar da escola na formação dos jovens e da sociedade contemporânea.