Especial: |
1 - O ministério episcopal: Bispo do Porto
Na linguagem oficial da Igreja é costume individuar e situar os Bispos dizendo que o são "por mercê de Deus e da Sé Apostólica".
Na conjugação de mercês ou graças, de Deus e da Sé Apostólica, sou a recordar que fui nomeado Bispo de Elvas e Auxiliar do Porto em 16 de Novembro de 1978; Bispo de Viana do Castelo em 27 de Setembro de 1982; enfim, Bispo do Porto em 13 de Junho de 1997.
Agradeço a Deus todas, também estas, graças recebidas, e agradeço ao Romano Pontífice e sucessor de Pedro, na pessoa de Sua Santidade o Papa João Paulo II, a confiança ousadamente depositada na humildade do servo e servidor que sou.
Cumpridas as formalidades preceituadas para esta ocasião, desejo ainda fixar e elevar o meu pensamento para o selo do pescador que dá autenticidade à Bula da minha transferência e nomeação. É que, além do nome do Papa actual - João Paulo II, o selo contém a efígie de S. Pedro e S. Paulo, a qual me ajuda a interiorizar mais e viver melhor a profissão de fé de que o Apóstolo S. Paulo deu testemunho à Igreja de Éfeso: Há um só Deus e Pai de todos, há um só Senhor Jesus Cristo, há um só Espírito, e há um só Corpo, uma só Fé e um só Baptismo (Ef. 4, 4-6, em redacção reformulada).
Nesta confissão de Fé Trinitária e na "economia" da Fé cristã, encontra-se um projecto de Igreja, para cuja edificação o Senhor constituiu ministros - apóstolos, evangelistas, pastores e mestres, sem deixar de a cada um, a cada cristão, conceder a graça, de tal modo que a todos compete a tarefa comum de edificar o Corpo de Cristo.
O Evangelista S. Mateus situa concretamente as intervenções de Deus na nossa história e na nossa vida, através de Cristo. Um dia (e o episódio é paradigmático) "Jesus ia a passar", viu um homem que tinha nome (era Mateus) e disse-lhe: "Segue-Me". Sem prólogo, sem argumentos ou explicações, muito menos sem pedir licença ou desculpa. É assim o chamamento, categórico e forte. E quando o homem responde como lhe compete ("levantou-se e seguiu Jesus", é a reacção de Mateus), chega-se à harmonia, objectiva e sentida, entre a força da vocação (chamada) e a graça da obediência (cf. Mt. 9, 9-13).
Ser ministro, de qualquer espécie, não é na Igreja razão ou motivo de vanglória. Servir em permanência é um dom de Deus, que não gera estabilidade passiva, mas ilumina e revigora a consciência de que estamos a caminho, com o dever assumido de colaborar para a construção de um edifício, sempre inacabado, nunca completo.
Esta é a verdade do Estatuto da Igreja, humano-divina, divina e humana. É também marca de autenticidade da graça recebida ou do ministério que exercemos. E é condição para admitirmos e nos reconfortarmos na ideia de que "existe uma só esperança na vida a que fomos chamados"(Ef.4,4), nesta vida a que todos fomos e somos chamados.
Por isso não me sinto só, nem abandonado,
nem perdido, por ter aceitado presidir à Igreja de Cristo
que está no Porto, Igreja ou Diocese que tem nome e identidade,
que se conheça, com rigor, desde o longínquo século
VI. A autonomia enraizada e desenvolvida com o Reino dos Suevos,
mediante uma organização administrativa e eclesiástica
cada vez mais complexa e mais sólida, havia de constituir-se
como fonte natural e origem do Reino de Portugal.
Falar destas origens de Portugal é falar já desta
Sé, e é antes ainda referir a realidade de uma diocese
que, a par de outras dioceses da Igreja, se juntavam e ajustavam
para ser berço da Pátria que nascia. O porto
deste Porto (Portuscalle) e este morro
da Pena Ventosa que suporta a Sé que nos acolhe são
o nome e lugar que pertencem à história indissolúvel
da Diocese do Porto e da Pátria Portuguesa.
2 - História da Diocese
Não está feita, ou, por outras palavras, não está acabada, a História desta Diocese, mas foram escritos muitos capítulos e inúmeras páginas de factos e acontecimentos dotados de rigoroso critério científico e de apreciada beleza literária.
Não me atrevo a destacar factos ou retocar estilos. Mas há dois Bispos cujos nomes balizam a história da existência, das vicissitudes e até da fixação dos limites diocesanos: D. Hugo, digno de menção pelo que reivindicou e consegui em 1115, e o Cardeal D. Américo Ferreira dos Santos Silva, pelo modo discreto mas eficiente como executou o decreto pontíficio de 1882 para a revisão de limites.
De resto, a figura do Bispo que foi o Cardeal D. Américo Ferreira dos Santos Silva, tão ligado à causa dos Seminários diocesanos, introduz-nos, na minha intenção e perspectiva, na galeria dos Bispos do Porto que ilustraram o nosso século, desde D. António José de Sousa Barroso a D. António Barbosa Leão, de D. António Augusto de Castro Meireles a D. Agostinho de Jesus e Sousa, de D. António Ferreira Gomes a D. Júlio Tavares Rebimbas. São do nosso conhecimento pessoal ou entraram-nos na memória por referência da geração que nos precedeu. Por prática quase ritual e sobretudo aqui por dever e grata memória, nesta evocação cumpre-me (e com que emoção o faço!) sublinhar a memória e figura de D. Agostinho de Jesus e Sousa, que me admitiu a frequentar o Seminário, D. António Ferreira Gomes, que me ordenou Presbítero e Bispo (seu auxiliar), e D. Júlio Tavres Rebimbas, que feliz,emte está connosco e que Deus conserve por muitos anos. Do Senhor D. Júlio recebo em herança um património eclesial que tanto enriqueceu com o seu testemunho e dedicação, com uma invejável clarividência de Pastor, com magnanimidade, simpatia privilegiada e bondade irradiante. Pela sua amizade lhe estou grato, conto com a sua companhia e muito espero do seu avisado conselho.
Neste momento de retrospectiva e de reencontro, devo evocar e lembrar, em jeito de prece, a memória daqueles que foram meus Superiores, Professores ou Colegas, todos aqueles que, sacerdotes, religiosos ou leigos, o Senhor já chamou à Sua presença. Que Deus os tenha na paz da Sua glória.
Aos que aqui estão presentes - professores,
superiores ou alunos, sacerdotes ou leigos, e aos que em espírito
e acompanham, a minha palavra de respeitosa e amiga saudação.
3 - Programa? Prioridades? Preocupações?
Deveria terminar; sinto-me entretanto interpelado por eventual curiosidade e lógica interrogação: Que programa proponho? Que prioridades sinto? Que preocupações me acompanham?
Não trago programa pastoral, nem sequer em partículas de exemplificação. Tentaremos, a partir de hoje, como antes, levar à prática aquilo que o Mestre ensina, o Espírito sugere, o Povo de Deus pede e exige, a sociedade precisa e espera.
A Diocese tem as suas "Orientações de Pastoral", sobre as quais escreveu o Senhor D. Júlio no preâmbulo de aprovação: "Gostaria que estas Orientações fossem entendidas, reflectidas, apreciadas e assumidas com dinamismo e humildade, não tomadas como "regulamento" rígido do que se pode ou não pode fazer, mas como "Orientações Pastorais" conducentes a melhor perfeição eclesial que passa pela inteligência e pelo bom senso de cada um" (Orientações Diocesanas de Pastoral, 1991, pg. 6-7).
A Diocese tem os Senhores Bispos Auxiliares em actividade
não interrompida, tem as suas instituições
em regular funcionamento, tem as suas estruturas, os movimentos
e obras, os seus fiéis leigos, todos os agentes de pastoral.
Não preciso de dizer ou repetir quanto me sinto apoiado
pela confiança que experimento, sinto e reafirmo em tantos
e tão dedicados artífices da missão, da minha
missão na Igreja.
4 - Princípios de abordagem
Ainda assim, para resumir farei uma observação, formularei uma pergunta, e esboçarei uma resposta.
A observação: Vinte anos após o termo do Concílio Vaticano II (1965), a Igreja convocou os Bispos para um Sínodo extraordinário a fim de avaliar os frutos da reforma conciliar. Os Bispos sinodais entenderam e o Papa escreveu que era preciso reler o Concílio. Agora, porém, e à distância de trinta e sete anos após o termo do Concílio, apetece menos falar de modo eufemístico, e dizer categoricamente que é urgente e imperioso ler o Concílio... sem o que nem tem sentido falar em levá-lo à prática e à vida. Ler o Concílio e, obviamente, o Pós-Concílio.
A pergunta: Não haverá, pode perguntar-se, opções pastorais urgentes e prioritárias, por causa da "nova evangelização" que o Papa sugeria e situava no espectro analítico tão lúcido sobre a sociedade contemporânea? (cf. Exortação Apostólica pós-sinodal "Christifídeles Laici, 1988, n.º 34 ss.). Não se ouvem toques agudos de despertar "quando já se avizinha o terceiro milénio da era cristã"? (cf. Carta Apostólica "Tertio Millennio Adveniente, 1994). São perguntas e questões postas hoje na mesa global da sensibilidade e missão da Igreja Universal.
Uma resposta: S. Paulo encontrou-se um dia, em Corinto, perante uma situação que exigia decisão, opção e resposta. Lembrando os direitos de um apóstolo e pregador do Evangelho, preferiu antes a liberdade como disposição ideal para o Apostolado: "Tendo-me libertado de tudo, fiz-me servo para todos - omnium me servum feci" (1 Cor. 9, 19). O contexto era peculiar. Para bem servir, para servir bem, o Apóstolo optou pela independência e pela liberdade.
O nosso contexto, o contexto que é o nosso no nosso tempo, é diferente. Mas permanecem válidas e normativas, para mim, as palavras de S. Paulo escolhidas como lema: Fiz-me servo de todos, para todos.
Que opções ou prioridades, então?
Adoptei, e mantenho, esta opção fundamental como lema normativo e programático: Fiz-me servo de todos, para todos... (embora me apeteça, tenho medo! de acrescentar:... e para tudo).
Esta norma não abrange programas concretos, mas encerra um espírito, um sentido (que pode ser risco e é sempre um peso). Não está em causa a independência e a liberdade, mas a não exclusão: "Fiz-me servo de todos" tem para mim o significado de não-exclusão: nem de pessoas, nem de ideias, nem de temas ou problemas, nem de ideologias, credos ou partidos políticos. Servo de todos, para todos, solícito para com todos.
É que nós sabemos que temos um Mestre
(Jesus Cristo) que se senta com todos à mesa do pão
e do diálogo, pese embora o escândalo de fariseus.
O Deus que anunciamos lembra-nos que "prefere a misericórdia
ao sacrifício". Acreditamos que o Espírito
de Deus está na Igreja mas não é prisioneiro,
dá-se mas não se esgota em limites dos nossos cálculos
e dimensões.
Conclusão... de paz e oração
Que, como diria Santo Agostinho, Deus me ajude para, fiel como vós, ser para vós o Bispo que mereceis.
Assim me inspirem os exemplos dos Bispos que me precederam nesta Diocese do Porto.
Assim me anima a presença grata das Ex.mas Autoridades.
Assim me conforta e ajuda a presença colegial e amiga dos Senhores Arcebispos e Bispos aqui presentes.
Assim me entusiama a presença tão numerosa de sacerdotes e fiéis leigos.
Assim e por isso me alegra esta comunhão eclesial dos diocesanos do Porto e dos fiéis de Viana do Castelo, ainda confiados ao meu múnus de Administrador Apostólico.
Nesta Concelebração de unidade na fé, tenho presente o conselho do Santo Padre: "Aconselhamos-te vivamente que, em todas as circunstâncias da vida e da actividade pastoral, por intercessão da Imaculada Virgem Maria, com os teus fiéis invoques o Espírito Santo, que vem em auxílio da nossa fraqueza" (Rom. 8, 26): Que o Espírito Santo me ajude, por intercessão da Virgem Santa Maria, que invocamos como Senhora de Vandoma enquanto padroeira desta cidade (Cidade da Virgem - Civitas Virginis), e invocamos no dom e privilégio da sua Assunção, enquanto padroeira principal da Diocese. Na verdade, "imagem e início da Igreja" porque "glorificada já em corpo e alma", a Senhora brilha para nós (também para mim...) como "sinal de esperança" (cf. L. G. 68). Que assim seja. Amen.
Início |
Primeira Página | Página Seguinte |