Um mestre
O Doutor António Garcia de Vasconcelos (1860-1941) foi o primeiro director da Faculdade de Letras de Coimbra, criada em 1911. Para ela transitou da Faculdade de Teologia, cujas matrículas foram suspensas conduzindo-a para a extinção. Por interferência sua, em 1915, a Universidade mandou realizar os retratos dos reitores Alexandre Cabral, Manuel de Arriaga e Daniel de Matos, e no ano seguinte os dos professores da Faculdade de Letras, recentemente falecidos, Carlos de Mesquita e Francisco Martins, assim como, mais adiante, os do professor Gonçalves Guimarães e dos Humanistas Damião de Goes e Sá de Miranda.
Por sua vez, o poeta Eugénio de Castro, professor da Faculdade de Letras, encaminhou a realização de estes e outros trabalhos para o «atelier» do seu amigo, o pintor António Carneiro.
Também o Doutor Vasconcelos veio a ser retratado num belíssimo óleo do artista amarantino, que actualmente se encontra na sala dos professores da Faculdade de Letras.
Em Fevereiro-Março de 1922 o pintor realizara em Lisboa uma exposição, na Sociedade Nacional de Belas Artes, promovida por Manuel de Sousa Pinto. A seguir, em Junho-Julho, fará em Coimbra também uma exposição individual, a que Eugénio de Castro o incita na carta de 19 de Abril. António Carneiro escrevia-lhe em 8 de Junho a anunciar que parte de Lisboa para o Porto, voltando a falar da exposição e dos quadros. Em 11 do mês seguinte escreve de Coimbra para António Corrêa d'Oliveira e refere o encerramento da exposição e a intenção de ir para Melgaço fazer o tratamento termal.
Foi neste período de estância em Coimbra que António Carneiro retratou a óleo os Drs. Eugénio de Castro e António de Vasconcelos. Este último retrato está datado: 1922, VII.
O Dr. António Garcia Ribeiro de Vasconcelos nasceu em S. Paio de Gramaços (Oliveira do Hospital) e matriculou-se na Faculdade de Teologia em 1878, onde obteve a licenciatura em 1885, ano em que foi ordenado sacerdote. Fez o doutoramento no ano seguinte, no qual iniciou ali o seu magistério. Foi Director do Arquivo da Universidade (1900-1927) e o primeiro Director da Faculdade de Letras (1911-1920). Publicou valiosos trabalhos, entre os quais são de relevância os referentes à história da Universidade, como aquele em que analisa o «documento precioso», diploma original da fundação da Universidade portuguesa em 1290.
O seu retrato parece-nos, entre todos os que António carneiro fez para a Universidade, aquele que melhor exprime a personalidade do retratado.
É possível que a intenção do Dr. Vasconcelos de fazer-se retratar - como se depreende da carta de Eugénio de Castro de 19 de Abril se tenha cruzado com uma iniciativa da Faculdade de Letras. Em sessão do seu Conselho de 27 de Junho de 1922, quando naturalmente o retrato estava já executado, foi aprovada por unanimidade a proposta do Dr, Gonçalves Cerejeira para aquisição do «retrato do Dr. Vasconcelos, obra do pintor Carneiro, como homenagem ao que foi seu primeiro Director e ilustre Professor». Na sessão de 13 de Outubro, «o Dr. António de Vasconcelos agradeceu a resolução da Faculdade, de mandar fazer o seu retrato, e de o ter colocado no Gabinete da Direcção, julgando-a imerecida, esta prova de apreço». Talvez sejam dois os retratos realizados por António Carneiro: um para o Dr. Vasconcelos e outro para a Faculdade. Eugénio de Castro, em carta de 28 de Janeiro de 1929, refere-se ao tamanho «dos (retratos) do Dr. Vasconcelos».
Não deve deixar-se sem referência alguma outra bibliografia do doutor Vasconcelos, como os dois volumes sobre a Evolução do culto de Dona Isabel de Aragão, Esposa do Rei Lavrador Dom Diniz de Portugal - estudo de Investigação Histórica (1871-1894), recentemente reeditados; os dois volumes do Compêndio de Liturgia Romana (1897-1900), assim como os dois volumes, avultados como os anteriores, de Estudos Vários (1938-1941).
Aos relevantes serviços que prestou à Universidade e à sua Faculdade de Letras, devem acrescentar-se os que lhe ficou a dever o Seminário de Coimbra, evocados há alguns anos pelo Cónego Brito Cardoso no Correio de Coimbra. Não foi o menor ter conseguido protelar a espoliação do Arquivo e das Livraria do Seminário, preparada em sessão do Senado Universitário de 5 de Fevereiro de 1917, até ser depois legalmente restituída por decreto do Ministro da Justiça, Dr. Manuel Rodrigues, de 1932.
J. M. DA CRUZ PONTES